O jornalismo não é o repasse da verdade, mas a narração de ações discursivas que permitem construir diferentes universos de referência para a definição de sentidos.
Duas perguntas centrais:
1) A utilização de recursos de envolvimento para seduzir o público acarreta algum tipo de desvio ou falseamento informativo?
2) Qual o papel da ficção na construção da realidade?
Até pouco tempo atrás (10 anos) ou mais, era comum a veiculação na TV, principalmente no Jornal da Globo, já que outras emissoras não apresentavam telejornal, dos habituais altos índices inflacionários.
Para fazer referência à questão, era usada a conhecida metáfora do “dragão da inflação”. Essa metáfora tem como base uma situação de conflito, onde há um adversário (a inflação, representada pelo dragão) e uma vítima (a economia e o povo brasileiro). O governo brasileiro ocupa a posição de herói.
A metáfora cria por si só uma narrativa onde encontramos as forças do bem e do mal. No interior da matéria em análise, a ficção é mesclada à realidade, justamente pelo uso da estrutura da narrativa e da metáfora. A Mídia estava empregando uma fórmula engessada no jornalismo tupiniquim, onde a moda é noticiar o óbvio, o corrente : Copa do Mundo, Jogos Panamericanos e política. Bastou os jogos Panamericanos para a Mídia dar descanso ao Renam.
Ainda hoje a Mídia não foge desse fórmula desgastada. Em relação ao Governo, segundo a Mídia, ele se situa na interseção das duas forças contraditórias e apresenta-se como uma entidade dupla, ora representando as forças do bem, ora as forças do mal.
Um ponto importante que também chamam a atenção é que as metáforas iluminam certos aspectos e escondem outros. Assim, funcionam como um ato persuasivo e orientado e evidenciam estratégias muito claras, fundadas nos processos seletivos de formas de dizer. A metáfora desencadeia uma perspectiva clara de interpretação. O interessante é que esse funcionamento dá a metáfora um enorme potencial de autonomia no discurso.
As metáforas são, assim, formas de iluminar a compreensão ou de gerar universos específicos para compreensões. Essas compreensões propiciadas pelas metáforas são orientadas e podem ser positivas ou negativas.
Quando resolver o problema do Renam, a VEJA fatalmente vai voltar com as suas reportagens sobre os MALES DO AÇUCAR, OS BENEFÍCIOS DA ALCACHOFRA, O PERIGO DA VITAMINA C, ETC. Ou quem sabe, sobre DÓLARES SENDO TRANSPORTADOS EM CAIXAS DE SAPATO, UÍSQUE, FÓSFORO ou CUECAS.
Fonte:
O REAL E O FICCIONAL NO TELEJORNALISMO - ESTUDO DE CASO
Cristina Teixeira Vieira de Melo- UFPE
Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes- UFPE
Wilma Peregrino de Morais- UFPE
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