sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Nossa mídia e a internet


Argemiro Ferreira

Ainda não entendo por que os jornalões brasileiros e demais veículos da grande mídia corporativa - a mesma dedicada há mais de dois anos à obsessão de derrubar o presidente Lula, eleito duas vezes com mais de 60% dos votos - insistem em impor pagamento de assinatura para o acesso dos leitores às suas páginas diárias na internet.

Porque você pode ler na internet todo dia, sem gastar um centavo, as notícias, reportagens e opiniões dos maiores jornais, revistas e TVs do mundo - veículos como "New York Times", "Washington Post", "Time", "Newsweek", redes ABC, NBC, CNN, para ficar nos americanos - e, no entanto, é obrigado a pagar para ter acesso aos tupiniquins "O Globo", "Folha de S. Paulo", Estadão, "Veja" & cia.?

Será porque nós, brasileiros, temos dinheiro sobrando no bolso, enquanto os banqueiros de Wall Street, coitados, perdem milhões na roleta da Bolsa de Nova York e nada resta para assinaturas? Ou será porque os veículos dos EUA - "Times", "Post", CNN, CBS, "Newsweek" - precisam desesperadamente de leitores, enquanto "O Globo", "Folha", Estadão, "Veja" têm excesso de leitores?


A cobrança já ficou obsoleta

Dados recentes do IVC (Instituto Verificador de Circulação) sugerem o contrário: cada um dos veículos brasileiros perde mensalmente, em média, um mínimo de 2% da circulação. Isso explica ainda porque a influência deles sobre a opinião pública chegou ao fundo do poço - e na última eleição o eleitorado ignorou a campanha da mídia e elegeu Lula de novo, com mais de 60% dos votos.

Se é assim, convenhamos, faria mais sentido abrir as portas dos "sites" na internet aos interessados em ler o que publicam diariamente. Quem sabe isso até permitirá às grandes corporações de mídia suspender as ofertas de brindes - DVDs, ferro elétrico, secador de cabelo - aos que concordam em comprar jornal ou revista na banca.

É uma idéia construtiva, a não ser para aqueles que não acreditam no produto oferecido a cada dia na internet. Basta observar o resultado da experiência do "New York Times", que durante dois anos cobrou o acesso do leitor às suas principais colunas. Os colunistas odiaram, os leitores também. E o acesso voltou a ser livre no mês passado.

Ao explicar a decisão, o "Times" disse que o "Financial Times" também desistiu da cobrança e agora o único dos grandes jornais dos EUA que ainda condiciona o acesso à assinatura paga é o "Wall Street Journal". E há informações, acrescentou, de que Rupert Murdoch, o novo dono, estuda rever em breve essa prática.


A afirmação do jornalismo

Sou um consumidor de notícias online desde que a rede Alternex iniciou seu trabalho pioneiro no Brasil como provedora (ligado ao IGC, Institute for Global Communication, com sede na Califórnia), veiculando artigos variados, além do material da agência de notícias Inter Press Service. Não havia CompuServe nem American On Line, muito menos a MSN de Bill Gates, que chegou atrasado.

Graças à Alternex/IGC pude começar, já no primeiro semestre de 1992, a transmitir matérias de Nova York, via internet, para jornais no Brasil e em Portugal. Eles não tinham a tecnologia (sequer a julgavam necessária), mas a rede oferecia outro serviço - o que transformava textos online em fax, fazendo-os chegar assim aos jornais.

"Softwares" de fax nos computadores foram popularizados depois e facilitaram ainda mais, sem reduzir o papel das redes. Ao contrário: elas tornaram-se gigantes como a AOL, abocanhando parte substancial do mercado e atraindo milhões de assinantes em curto período de tempo. E os jornais afinal descobriram o potencial da internet para expor suas edições diárias.

Empenhada em tirar o atraso na rede a Microsoft lançou sua revista eletrônica "Slate". Ante o sucesso imediato, pela qualidade do produto, passou a cobrar o acesso. Apesar de indignado, eu me submeti à chantagem. Mas durou pouco. A "Slate" recuou, voltou a ser gratuita (recentemente foi vendida ao "Washington Post"). Aprendi a lição, passei a resistir a tais golpes.


"Odeiam, odeiam e odeiam"

O repúdio à cobrança cresceu. Os principais colunistas do "Times", em especial o abominável Thomas Friedman, odiaram a idéia do TimesSelect (US$ 7,95 pelo acesso mensal às colunas). Joseph Nocera, que escreve sobre tecnologia, contou em 2005 que gente da Wall Street entrevistada por ele pedia para enviar o artigo depois, por email: ninguém admitia ter de pagar pelo acesso.

No 14° andar do prédio do "Times", na sala do conselho editorial, Bill Gates em pessoa declarou textualmente, duas semanas depois de ser lançado o TimesSelect: "As pessoas odeiam, odeiam e odeiam assinar coisas pela internet". Ele conversava ali com pequeno grupo de executivos, editores, membros do conselho e repórteres.

Merval Pereira, claro, não é um Paul Krugman, sequer um Friedman. Míriam Leitão está longe de Maureen Dowd. "O Globo" fica a anos-luz do "Times". E no Brasil nem existe hábito de leitura. Então, por que os irmãos Marinho cobram pelo acesso não só às colunas, mas ao jornal inteiro? Que diabo, se querem derrubar Lula deixem ao menos o jornal ser lido.

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