quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Recebi por e-mail de HUMBERTO CAPELLARI, do BLOG O CATA-MILHO

OBRIGADO, DOUTOR
LUIZ ANTONIO MAGALHÃES

O que vai abaixo é o texto semanal do autor do blog para o Correio da Cidadania. Em primeira mão para os leitores do Entrelinhas.

Há certas pessoas que se tornaram verdadeiras unanimidades nacionais no Brasil. Adib Domingos Jatene, médico cardiologista e ex-ministro da Saúde, é uma delas. É difícil, muito difícil mesmo, achar alguém que fale mal do doutor. Primeiro, porque Jatene é um homem que salvou e salva vidas. Muitas vidas. Inventou uma técnica cirúrgica de correção de transposição dos grandes vasos da base do coração, conhecida hoje como Operação de Jatene, que tem sido empregada mundo afora com sucesso. Segundo, porque este médico nascido em Xapuri, no Acre, é um incansável defensor do sistema público de saúde, um militante da medicina social e não aquele tipo que trata apenas a parcela da população que pode pagar caro pelo privilégio de receber um atendimento de "primeiro mundo", como gosta de dizer.

Sim, Adib Jatene é uma unanimidade nacional e talvez por isto pode fazer o que fez durante um jantar chique na capital paulista, conforme relato da jornalista Mônica Bergamo na edição de terça-feira da Folha de S. Paulo. Vale a pena reproduzir a reportagem:

Dedo em riste, falando alto, o cardiologista Adib Jatene, "pai" da CPMF e um dos maiores defensores da contribuição, diz a Paulo Skaf, presidente da Fiesp e que defende o fim do imposto: "No dia em que a riqueza e a herança forem taxadas, nós concordamos com o fim da CPMF. Enquanto vocês não toparem, não concordamos. Os ricos não pagam imposto e por isso o Brasil é tão desigual. Têm que pagar! Os ricos têm que pagar para distribuir renda".
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Numa das rodas formadas no jantar beneficente para arrecadar fundos para o Incor, no restaurante A Figueira Rubaiyat, Skaf, cercado por médicos e políticos do PT que apóiam o imposto do cheque, tenta rebater: "Mas, doutor Jatene, a carga no Brasil é muito alta!". E Jatene: "Não é, não! É baixa. Têm que pagar mais". Skaf continua: "A CPMF foi criada para financiar a saúde e o governo tirou o dinheiro da saúde. O senhor não se sente enganado?". E Jatene: "Eu, não! Por que vocês não combatem a Cofins (contribuição para financiamento da seguridade social), que tem alíquota de 9% e arrecada R$ 100 bilhões? A CPMF tem alíquiota de 0,38% e arrecada só R$ 30 bilhões". Skaf diz: "A Cofins não está em pauta. O que está em discussão é a CPMF". "É que a CPMF não dá para sonegar!", diz Jatene.

A reprodução dos fatos pela colunista da Folha parece especialmente feliz, mas muito mais interessante deve ter sido ver (e ouvir) o ocorrido ao vivo em cores. Lembra um pouco a propaganda do cartão de crédito: jantar beneficente no Figueira Rubayat, R$ 200; valet park para estacionar no restaurante por 2 horas, R$ 15; ver o Jatene enfiar o dedo no nariz do presidente da Fiesp e cobrar da elite que pague impostos, não tem preço.

De fato, é até possível contestar os argumentos de Jatene na defesa da CPMF, especificamente, mas não dá para não concordar com o ex-ministro em uma questão simples: o "imposto do cheque" é realmente o único tributo que a elite não consegue sonegar. Paulo Skaf, coitado, ficou meio sem argumentos diante da firmeza de Jatene e limitou-se a dizer que a Confins "não está em pauta". Claro que não está, pois esta contribuição a elite consegue sonegar e a CPMF, não...

No fundo, há uma certa falácia no Brasil sobre a questão da tal altíssima carga tributária. Primeiro, não é tão alta assim, pois em países mais desenvolvidos o peso dos impostos é ainda mais alto do que no Brasil; segundo, o problema não é tanto a carga, mas a falta de critério na tributação, que acaba fazendo com que os ricos paguem menos na proporção do que pagam os pobres e remediados.

Discussão técnica à parte, não deixa de ser irônico que um médico nascido no longínquo Acre, o homem que salva vidas, amigo de Paulo Maluf e Fernando Henrique Cardoso, foi quem teve a coragem de botar os pingos nos is (e o dedo na cara do presidente da Fiesp) para cobrar do representante da indústria paulista que os ricos paguem os seus impostos. Porque na esquerda, este tipo de cobrança parece estar totalmente fora de moda, soa como constrangimento ou provocação. Isto vale para o PT, cuja argumentação a favor da CPMF é tímida e defensiva, e vale também para a esquerda mais radical, que ultimamente anda de braços com o empresariado sempre que tal aliança possa resultar em desgaste ao governo Lula.

Gestos de coragem são de fato cada vez mais raros na cena brasileira. Adib Jatene, porém, mostrou que eles não desapareceram por completo. Ainda bem. Ou, como diria a voz das ruas: obrigado, doutor...

Por Luiz Antonio Magalhães às 00:16

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