quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

As feridas e os feridos




"Em meio a promessas de bonança, começam a aparecer os verdadeiros estragos feitos pela derrubada da CPMF. E não parece que seja o governo que esteja chorando mais..."

Flávio Aguiar - Carta Maior

Logo depois da derrubada da CPMF, houve uma gritaria tentando convencer as gentes que “haveria mais dinheiro no bolso”, que “o crédito ia ficar menos caro”, e assim por diante. Mas ao longo dos dias, vão aparecendo os verdadeiros estragos feitos pela votação desastrada da noite de 12 para 13 de dezembro.

É certo que a vitória da rejeição do imposto só foi possível com a sinistra deserção de senadores da base aliada. Sozinhos, PSDB + DEM + PSOL, mais isto e mais aquilo, não conseguiriam rejeitar o imposto. Mas não é só isto. O que vai ficando cada vez mais claro é que, por exemplo, levado pela fúria vingativa de alguns senadores (como apontou Kennedy de Alencar em artigo na Folha de S. Paulo, já em 13/12), aliada a uma estratégia de clarividência duvidosa articulada por Fernando Henrique Cardoso, o PSDB conseguiu uma proeza que em geral só o PT conseguia: derrotar a si mesmo.

Na sexta-feira, no lançamento do novo carro da Ford em S. Bernardo (mostram as fotos dos jornais de sábado), quem estava de cara amarrada era Serra, não era Lula. Para vencer em 2010, Serra precisa conquistar votos que foram petistas em 2002 e em 2006. Para vencer em 2010, ele precisa, por exemplo, manter a Saúde como bandeira sua, ministro que dela foi. Mas a pressa e o açodamento de impor uma derrota a Lula e de conquistar o agrado da Fiesp, na verdade verdadeira das coisas, tirou-lhe a bandeira das mãos. Por quê? Porque se apesar de tudo a Saúde melhorar e se expandir mais neste país, o mérito será do governo federal que, “apesar da perda da CPMF”, a terá feito progredir. Se isso não acontecer, Serra terá de arcar com o contra-argumento de que “foi o seu partido” que se curvou aos “pró-magnatas” do DEM e espandongou as verbas da Saúde.

Por sua vez, a gritaria na Câmara Federal é enorme: deputados e deputadas se sentem apunhalados e abandonados a sangrar pelos senadores dos seus partidos, pois parecer ser inevitável haver o contingenciamento e cortes de verbas nas emendas orçamentárias aprovadas. E a grita maior vem de deputados e deputadas dos próprios PSDB e DEM, que, com razão, se sentem mais ameaçados.

Também na Folha de S. Paulo, só que desta vez na de sábado, 15/12, em artigo de Marcos Cézari na seção Dinheiro, se lê que com o fim do imposto os assalariados de baixa renda terão uma perda, ainda que pequena em termos individuais, porque passarão a ter de pagar mais para a Previdência que antes lhes diminuía o desconto como uma compensação pelo imposto.

Ou seja, enquanto o governo vai remanejar verbas, podendo jogar todos os ônus para as oposições e para a irresponsabilidade de alguns de seus aliados menos aliados, quem se lascou mais foi o PSDB. Parece aquela jogada estúpida: na hora de dar a punhalada, o DEM segurou o punhal pelo cabo e o PSDB pela lâmina. Resultado: no alvo a faca feriu, mas nem entrou tanto. Já um dos esfaqueadores periga perder os dedos, e ainda está na UTI costurando as feridas.

Ainda uma palavra. É verdade que o PSDB está dividido, pelo menos desde a eleição de 2006. Mas agora está estraçalhado. Parece um ator que entrou endomingado em cena e sai em farrapos e andrajos.




Qual o sentido de Fernando Henrique ter manejado tanto as cordinhas de Arthur Virgílio?





A mim me parece um único. Pelo menos, quero dizer, um único faz sentido, porque o de ter jogado o partido e seus possíveis candidatos numa arapuca não faz. Como aquele cuja era ele queria acabar ao chegar à presidência, Fernando Henrique sabe que um dia ele deixará a vida para entrar na história (esperemos que daqui há muito tempo e de modo não tão trágico como o daquele seu antecessor). E ele está arriscando-se a entrar para a história como um mero prefácio às gestões de Lula e até mesmo de Serra, se este conseguir chegar à presidência. Neste último caso, reconheça-se, há o risco dos incontáveis retrocessos em todas as frentes, da política social à externa, que a sanha de tucanos e democratas trará. O segundo mandato de Fernando Henrique desteceu tudo que ele tecera para seu verbete nas enciclopédias durante o primeiro. Por isso, vanitas vanitatis, faz sentido criar todas as pedreiras possíveis no caminho de Lula.

Mas pressionado tardiamente por Serra e Aécio (que nesse sentido também foram lerdos, como foram o governo e o PT), o ex-presidente tentou jogar toda a responsabilidade pelo acontecido nos ombros de Arthur Virgílio. Mas quem acompanhou desde sempre essa farsesca tragédia anunciada, viu que FHC também ajudou a alevantar o punhal contra César. Só que César, ainda que contrariado, passa bem nos braços do povo. E alguns dos pretensos esfaqueadores também saíram esfaqueados. Por eles mesmos e seus comparsas.

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