No ano em que a Declaração de Direitos Humanos completa 30 anos, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, lembra que, para alguém ser considerado livre e igual, é preciso liberdade de participação, manifestação, crença e direito econômicos e sociais
Com o Bolsa Família, programa operacionalizado pela Caixa, pela primeira vez o Brasil enfrenta a fome com seriedade, disse o ministro Vanucchi, em entrevista produzida pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República.
Em 2007, Bolsa Família distribuiu mais de R$ 8,9 bilhões. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o programa atendeu mais de 45 milhões de pessoas no ano passado.
A Caixa é responsável pela operacionalização dos pagamentos dos benefícios. O processo inclui o cadastramento das famílias, geração da folha de pagamentos, confecção e distribuição de cartões e o próprio pagamento desses benefícios, em sua ampla rede de atendimento.
Veja os principais trechos da entrevista.
Declaração de Direitos Humanos - O artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. A grande pensadora alemã Hannah Arendt alertou que esse artigo tenta apontar um mundo de paz. Os outros 30 pontos desdobram-se desse primeiro. Na verdade, em todo o mundo, as pessoas ainda não nascem livres e iguais em dignidade e direito. Nascem cercadas por desigualdade, opressões, diferenças, preconceitos. Para alguém ser considerado livre e igual, é preciso que haja liberdade de participação, manifestação, crença e direito econômicos e sociais. Com o programa Bolsa Família, é a primeira vez que o Brasil enfrenta a fome com seriedade e tem condições de marcar prazo para que todos os cidadãos tenham pelo menos três refeições diárias. Podem até ser pobres, ou muitas vezes desempregados, mas pelo menos essa nódoa da fome conseguiremos superar.
Doze anos de Eldorado dos Carajás - O Brasil é um estado democrático que não aceita a situação de que responsáveis e mandantes do crime ainda estejam em liberdade. O país está sujeito a sanções de organismo de diretos humanos da Organização dos Estados Americanos, já que decidiu voluntariamente se submeter à comissão e à corte de direitos humanos da OEA. Qualquer que tenha sido o fato gerador, o episódio foi registrado em cenas de filme. Em dezembro, abrimos, em Belém, a II Amostra de Cinema e Direitos Humanos com o filme que exibia as cenas do massacre. É oportuno lembrar a responsabilidade do Poder Judiciário, porque a afirmação dos direitos humanos depende do esforço dos três Poderes. Houve também o recente episódio da reserva Raposa Serra do Sol. Uma ação juridicamente definida foi paralisada pelo Supremo, respondendo à pressão de um pequeno grupo de produtores de arroz. Houve uma ameaça de atentado, que a imprensa não tratou com a devida seriedade. Um carro com dinamite em frente à Polícia Federal poderia ter custado dezenas de vidas. Esse tipo de ação não pode ser premiada com a decisão que suspendeu a operação da Polícia Federal.
Pronasci - A Polícia tem que ser aliada da população. Tem que ser bem treinada, bem valorizada, bem recuperada, bem remunerada. Queremos o policiamento comunitário, e não adversário - como muitas vezes acontece. É preciso, inclusive, valorizar os policiais quando são vitimas de violência. As entidades de direitos humanos precisam estar presentes para se solidarizar com suas famílias, para criar as leis de reparação, não conciliar com o crime organizado. Mas também não pode haver polícia como ainda existe, comungada com o crime. Não pode existir essa história de bandido comandar o crime pelo celular. (como faz o PCC EM SÃO PAULO)
Saúde - A saúde também é um direito do cidadão e a brasileira está longe do patamar ideal. Não por causa de um ou outro governo, mas por causa de um longo período histórico em que o tema não foi valorizado. Porque o orçamento público não atendia as necessidades do setor e porque houve, nos anos 70, 80 e 90, um processo brutal de privatização, que só começou a ser revertido com a Constituição de 1988, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). Mas o Brasil tem avanços nessa área. Por exemplo, a mortalidade infantil vem caindo de forma muito animadora e atingiu as Metas do Milênio.
Preconceito - Infelizmente, no Brasil, alguns ainda têm aquela idéia de que direitos humanos é defesa de bandido. Não, é defesa da vida com liberdade e igualdade, que só é assegurada pela idéia da pluralidade. A população tem todo o direito de se indignar contra o avanço da violência nas grandes cidades. Temos medo de sermos vítimas de balas perdidas, assaltos, seqüestros e crimes hediondos. E isso nos faz, muitas vezes, perder a visão de que segurança pública é um direito humano de primeira grandeza. No final da ditadura militar, alguns setores derrotados politicamente criaram estragos, martelando sistematicamente a idéia de que direitos humanos é defesa de bandidos. Precisamos conscientizar a população de que direitos humanos é defesa da vida. Não se pode fazer justiça com as próprias mãos, sem julgamento, sem ter certeza de o indivíduo é culpado. É preciso assegurar o direito de defesa, o processo penal. A população fica indignada quando o caso vira um processo e se arrasta no sistema judicial por dez anos. Foi o que aconteceu em Eldorado de Carajás. Mas a educação em direitos humanos precisa ser feita. Em cada briga que as crianças realizarem, a professora deveria explicar que nenhuma diferença entre nós pode ser resolvida na base da violência. Neste aspecto, destaco o papel da mídia. Muitas vezes, programas de TV criam uma espécie de histeria popular, pedindo morte aos bandidos. Deixamos de ver que há caminhos, como o atual Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), coordenado no Ministério da Justiça, que coloca a segurança publica nos seus devidos eixos. Que são: fazer valer as obrigações da Polícia, da sociedade.
Violência policial - Houve avanços importantes nessa área, mas muitas vezes as polícias ainda usam métodos violentos para obter confissões. Os avanços não foram suficientes para declararmos a situação como satisfatória. Tivemos recentemente, em Bauru (SP) um episódio dos mais graves. Policiais militares mataram um jovem com choques elétricos. Na última quarta-feira (16), vi a notícia que os policiais estão sendo libertados. Minha preocupação é que essa libertação não envolva impunidade ou paralisia do processo judicial. Temos criado, no Brasil, mecanismos preventivos de combate à tortura. Temos um plano nacional de combate. Mas há ainda um velho costume, que vem lá de trás. Não vem somente da ditadura militar, vem de antes - do período da escravidão. O bairro mais famoso de Salvador se chama Pelourinho, que era um instrumento de tortura contra os escravos. Então, criou-se aqui essa idéia inaceitável de que preso tem que apanhar. Não tem. Preso tem que ser punido, imobilizado, impedido de sair ou praticar crime de dentro do cárcere. Mas não pode ser tratado como animal. Aliás, nem os animais podem ser tratados dessa forma de acordo com as leis brasileiras. É preciso garantir punição. Só com punições exemplares conseguimos educar verdadeiramente a sociedade na compreensão dos direitos humanos.
Tortura - Em dezembro de 2006, o Brasil completou o processo de ratificação, no chamado Protocolo facultativo a convenção das Nações Unidas de combate à tortura. Esse protocolo facultativo estabelece que o país aderente, no caso o Brasil, tem que ter um mecanismo preventivo nacional. Esse mecanismo está sendo construído agora. É difícil, ele envolve recursos orçamentários importantes, e mudanças na lei porque a Constituição brasileira estabelece segurança publica, portanto, todo sistema policial é de responsabilidade dos estados. A União, pela primeira vez, criou os presídios federais e já tem dois inaugurados em Catanduva e Campo Grande; três em fase de construção e mais dois para serem inaugurados este ano. Um mecanismo preventivo nacional significa em não deixar acontecer. Por que acontece a tortura? Acontece porque no Brasil, desde 1.500, praticou-se a idéia de que os índios podiam ser mortos e espancados. Em seguida, os escravos capturados na África não tinham direitos, podiam ser mortos e torturados. No século XX, durante duas ditaduras, a tortura se generalizou. Ficaram marcas profundas no policial, até na população que muitas vezes aceita a idéia. Uma pesquisa recente do jornal O Globo revela que 26% da população defende que os bandidos têm de apanhar. O delegado e investigador acreditam que a única maneira de obter uma confissão é por meio da tortura. Deveria fazer uma cooperação através de ouvidorias de polícias, governo Federal, governo estadual para juntos enfrentarmos. E a prevenção exige pena de punição dos casos de torturas.
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