Por Luciano Martins Costa, para o Observatório da Imprensa
O que os jornais e as revistas demonstraram, nos últimos dias, foi a permanência de certa vocação da imprensa para babar na farda dos militares - e, neste caso, as exceções confirmam a regra. A palestra do general-de-exército Augusto Heleno Pereira, comandante militar da Amazônia, no Clube Militar do Rio, ocorrida semana passada, ganhou espaços generosos nos jornais e uma página de elogios na revista Veja. O general Heleno, que já havia concedido entrevista à revista Época na primeira semana de janeiro deste ano, falando sobre o mesmo tema da vulnerabilidade das fronteiras amazônicas, foi em seguida advertido pelo ministro da Defesa, a pedido do presidente da República.
O Clube Militar
No final dos anos 1980, os jornais davam grande importância ao que se dizia no Clube Militar. Alguns colunistas até costumavam funcionar como canais para "advertências" ou manifestações de desconforto da elite das Forças Armadas com o ritmo do processo de redemocratização do país, manifestadas regularmente sobre o chão de azulejos quadriculados na sede do clube na Avenida Rio Branco.
O comandante da Amazônia, que adquiriu boa reputação profissional como o primeiro chefe da missão de paz da ONU no Haiti, tem uma influência considerável sobre a opinião da tropa. Mas o que não é assim tão considerável é o peso da opinião da tropa - e assim deve ser no regime democrático. Ao amplificar as críticas do militar em temas complexos como a política indigenista e a questão da gestão territorial do país, a imprensa produz certo desequilíbrio na balança dos poderes. E revela certo saudosismo que não é compatível com os tempos que correm.
Por essas e outras é que surpreende, de certa maneira, a entrevista publicada pelo Estado de S.Paulo no caderno "Aliás" de domingo (21/4). O entrevistado, Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é apresentado como o mais influente antropólogo do Brasil. Tido, pelo pensador francês Claude Lévy-Strauss, como o fundador de uma nova escola na antropologia, Viveiros de Castro distribui críticas severas aos opositores da criação de grandes reservas, afirmando que essas áreas não aumentam a vulnerabilidade das fronteiras.
Ele observa, por exemplo, que os produtores de arroz, em cujo nome se levantam os inimigos da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, são apenas seis, e lembra que ninguém se preocupou em questionar o fato de que empresas e cidadãos estrangeiros são donos de porções consideráveis do território nacional, especialmente na Amazônia.
Vale a leitura. E vale também a observação de que, quando quer, um jornal pode passar por cima de suas próprias convicções e surpreender o leitor com reflexões que o fazem entender que nem tudo é o que parece.
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