Entre as fundações agraciadas com contratos do então governador Alckmin, estão o Instituto Sérgio Motta e a Fundação Mário Covas. Dos R$ 417 milhões pagos, R$ 135 milhões foram para “pesquisa e estudo para programa de governo” de SP
JOSÉ AMÉRICO*
Clovis Rossi, membro do conselho editorial da Folha de São Paulo, decidiu dar lições de moral em sua coluna publicada no dia 29/02 sob o título “Crimes, pequenos ou grandes”.
Ele pretendeu enquadrar o vereador Antonio Donato, do PT, entre aqueles que praticam “pequenos crimes” pelo fato do vereador ter aceito uma contribuição de 4 mil reais para a sua campanha eleitoral em 2004, de uma pequena empresa que trabalhou para a FINATEC, fundação da Universidade de Brasília, em São Paulo. A empresa contribuiu com a campanha do vereador, mas estava legalmente habilitada a fazê-lo e a doação consta em sua prestação de contas na Justiça Eleitoral. Porém, como se trata de atingir o PT, não importa se a lei foi respeitada ou não. Para o jornalista, acabou prevalecendo a “alta moralidade” da suspeita, que parece ter substituído a da ética jornalística.
É a mesma “moral” que permitiu à Folha de São Paulo omitir em várias de suas matérias a informação de que a FINATEC mantinha contrato com diversos parceiros; o objetivo era sustentar a tese de que esta fundação só tinha contratos com governos do PT. Hoje (29/02/08), o jornal O Estado de São Paulo, com um certo atraso, pois o blog Leituras Favre já tinha publicado estas informações no final de semana passada, informa sobre a diversidade da atuação desta instituição. Na Folha, nem uma palavra. Silêncio total.
Segundo Clóvis Rossi, o que embasa a suspeita contra o PT é que “uma prefeitura como a de São Paulo, ou tem capacidade interna para criar modelos de gestão, ou é melhor fechar as portas (vale para todos os prefeitos)”. Ou seja, para ele, independentemente de quem estiver à frente da prefeitura, se esta tiver que recorrer a uma fundação para criar modelos de gestão (no caso para estruturar o inovador sistema de subprefeituras, com descentralização administrativa), o melhor seria “fechar as portas”. Ignora-se assim a situação de fragilidade do serviço público, após anos de desmanche das administrações públicas, particularmente em São Paulo nas gestões anteriores à administração petista. Mas o mais curioso é que Clóvis Rossi parece ignorar o intenso processo de terceirização desenvolvido pelas gestões DEM-PSDB tanto no Governo do Estado como na Prefeitura de São Paulo. Será que ceder a terceiros a administração de hospitais públicos, como faz o governo estadual e a prefeitura de São Paulo, não exigiria uma medida drástica, do tipo “fechar as portas”, na visão peculiar do jornalista?
Mas já que Clóvis Rossi decidiu meter a colher neste assunto, vamos estimular a sua perspicácia de guardião da moral e convidá-lo a fornecer aos seus leitores alguma explicação para o pouco interesse jornalístico demonstrado até agora em relação às fundações que trabalharam ou trabalham para outros governos que não os do PT. Como Clóvis Rossi trata de pequenos e grandes crimes, vamos falar de alguns que certamente se enquadram na categoria dos grandes.
Entre 2001 e 2004, o governador Geraldo Alckmin e o PSDB no governo estadual pagaram pouco mais de R$ 417 milhões, sem licitação, para fundações (os gastos foram R$ 600 milhões no período, mas sem licitação “só” R$ 417.404.390 milhões, fonte SIGEO).
Dentre estas fundações e contratos encontramos o Instituto Sérgio Motta, a Fundação Mário Covas, a FUNDAP e a Fundação Pró-sangue/Hemocentro (aquela privatizada depois de vários escândalos). As vinculações entre estas fundações e o PSDB saltam à vista.
Dos R$ 417 milhões pagos, R$ 135 milhões foram para “serviço de elaboração de proposta estratégica para programa de governo”, “serviço de pesquisa para programa de governo” e “serviço de estudo para programa de governo”. Há de se convir que, após 10 anos no poder (hoje já são quase 16 anos), o fato de o governo estadual sob o controle tucano não contar com instrumentos próprios para estudos e pesquisas sobre “programa de governo”, seria um bom motivo para “fechar as portas”. Além do reconhecimento do fato de o PSDB não ter programa de governo e de a máquina administrativa do Estado não ter sido preparada para assumir esse trabalho, que precisou ser feito por fundações, muitas delas ligadas ao PSDB – tudo isso deixa claro que Clóvis Rossi têm uma indignação muito seletiva.
A administração Kassab contratou a mesma FINATEC contratada pela gestão anterior. O objeto do contrato (no valor de R$ 1,17 milhão) foi a “implementação de uma sistemática de produção e disseminação de informações na Coordenadoria do Observatório de Políticas Sociais” (talvez Clóvis Rossi nem sabia, pois a informação foi publicada pelo Estadão). Além da gestão Kassab, mais de 180 órgãos públicos e empresas privadas são ou já foram parceiros da mesma FINATEC. Se essa fundação pagou um valor excessivo para mobiliar o apartamento do reitor da UNB, isso não transforma em espúrios todos os contratos firmados com estas instituições. Só a análise de cada um deles, a natureza de seu objeto, a materialidade de sua realização e a legalidade dos mesmos pode determinar a existência ou não de irregularidade ou de ilícito.
Não me parece que a “lógica” de Clóvis Rossi dê conta disto, nem a maneira por demais seletiva da própria cobertura da Folha.
*Jornalista, vereador e presidente do Diretório Municipal do PT de São Paulo
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