A minuciosa escolha das palavras para se referir ao atual momento político do Rio Grande do Sul não permite que o vice-governador do Estado, Paulo Afonso Feijó (DEM), atribua à governadora Yeda Crusius (PSDB) o adjetivo de omissa. "Não cabe a mim avaliar isso", diz, em entrevista exclusiva a Terra Magazine.
Mas o racha na mais alta cúpula do comando gaúcho - que se arrasta, segundo Feijó, desde a vitória no primeiro turno das eleições de 2006 - está longe do fim. De acordo com o vice-governador, uma crítica feita à gestão do Banrisul (Banco do Estado do Rio Grande do Sul) em 2006 não foi bem vista por setores do PMDB, que insistiram em sua demissão como vice na chapa. Denúncias que foram confirmadas pelo Ministério Público e, de acordo com o vice-governador, ignoradas por Yeda:
"A governadora deixou passar 1 ano e não tomou essas medidas. Depois disso, quando veio o relatório (do MP), eu fui a uma audiência com ela para entregar o relatório e ela não quis receber do relatório. Pediu que eu protocolasse e mandasse de forma oficial. E assim o fiz".
No meio da crise que envolve o governo gaúcho, o político que corre o risco de ser expulso de seu partido por ter divulgado uma conversa "clandestina" entre ele e o então chefe da Casa Civil do Estado, Cézar Busatto, diz não se arrepender das denúncias que fez.
"De forma alguma. Eu tenho muita confiança e convicção no que fiz, entendo que é de extrema importância para a sociedade gaúcha", diz.
Na conversa gravada pelo vice-governador e revelada pela CPI do Detran, na Assembléia Legislativa gaúcha, o então chefe da Casa Civil fala de um suposto esquema de financiamento de campanhas políticas com uso de verbas públicas. O escândalo levou à demissão do próprio Busatto do governo, além do secretário-geral, Delson Martini.
Sobre a decisão do DEM, Feijó entende como normal a análise do pedido de expulsão, com a ressalva de que o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) - autor do pedido - talvez não conheça a realidade que vive o Rio Grande do Sul. Mas ele diz aceitar a decisão: "Acho que faz parte de um processo de partido, a questão política e tudo mais. Mas aceito como natural e normal aquilo que aconteceu".
Leia abaixo a íntegra da entrevista com o vice-governador do Rio Grande do Sul:
O senhor se arrepende de divulgar essa gravação?
Paulo Feijó - De forma alguma. Eu tenho muita confiança e convicção no que fiz, entendo que é de extrema importância para a sociedade gaúcha e compreendo o resultado que isso trará para a sociedade como um todo.
E o que o senhor achou da decisão do partido e do pedido do senador Heráclito (Fortes) de solicitar sua expulsão?
Eu acho que é normal. O senador não me conhece, nunca falou comigo e nem eu com ele. Não conhece os fatos e a realidade do que ocorre no Rio Grande do Sul. Tive a oportunidade de ir a Brasília na última quarta-feira (11), fui recebido pela bancada federal e expus em 10 minutos a realidade, o que ocorre aqui e tive total apoio, unânime, de toda a bancada (gaúcha), do deputado Onyx (Lorenzoni), (Germano) Bonow e do suplente Matteo Chiarelli. Então eu entendo perfeitamente, claro, que as pessoas lá do centro do País, ou do norte e nordeste não conheçam a realidade daqui, assim como nós não conhecemos a realidade daquilo que ocorre localmente lá em cada estado. Após eles ouvirem, aceitaram perfeitamente e me deram integral apoio. E da mesma forma, fui falar com o presidente do partido, Rodrigo Maia (RJ), expus para ele e ele aceitou perfeitamente. Acho que faz parte de um processo de partido, a questão política e tudo mais. Mas aceito como natural e normal aquilo que aconteceu.
Como está sua relação com o governo de Yeda Crusius? Existe algum constrangimento?
Desde o primeiro turno é a pior possível e continua igual, não mudou nada. Desde antes do segundo turno, desde a campanha eleitoral. Pela Constituição do Estado, o papel do vice-governador é substituir a governadora em suas viagens. Em outros governos do RS, quando o governador deixava a fronteira do Rio Grande para outros estados, todos os governadores passavam o cargo pelo período em que saíam do Estado. Até no mesmo dia, se ele saísse de manhã e voltasse à noite. O (Germano) Rigotto era um que sempre fazia isso. Enquanto a governadora nunca passou o cargo, desde o dia que assumimos. Só passou quando foi para o exterior, porque aí é obrigada, porque senão é abandono de cargo. Então ela passou 1 ano sem sair do País exatamente para não me passar o cargo. Então isso já demonstra bem qual é a relação entre a governadora e o vice desde antes da posse.
Mas se isso vem desde o processo eleitoral, por que o senhor insistiu na chapa?
Esse racha ocorreu depois do primeiro turno. Nós passamos o primeiro turno e 3 dias depois a governadora me pediu que renunciasse. Porque eu fiz uma crítica ao Banrisul, na época dizendo que havia irregularidades naquela gestão. Daí houve uma pressão do PMDB, que estava entrando no segundo turno, porque até então eles eram oponentes, pedindo que eu me calasse. Foi isso que aconteceu.
E desde então as relações passaram a ter arestas?
A partir do momento que a governadora chama o PFL (na época) e pede que eu renuncie, ali rachou. E a partir daquele momento ela não quis a participação minha nem do PFL na campanha nem na constituição do governo.
Ela não pode alegar que, depois de esse escândalo vir à tona, foi uma forma de vingança do senhor?
De forma nenhuma. Antes de sermos eleitos, como eu disse, no primeiro turno, fiz uma crítica à gestão do Banrisul, o PMDB não gostou, cobrou dela e ela resolveu naquele momento trocar o PFL, que era parceiro desde o início, pelo PMDB, que tinha sido eliminado nas urnas. Era governo e foi eliminado, mas queria entrar no segundo turno a nos apoiar. E depois disso eu encaminhei ao Ministério Público eu ao Tribunal de Contas as denúncias que existiam e agora, um mês atrás, o MP concluiu a investigação num relatório de auditoria extraordinário e foram confirmadas as irregularidades no Banrisul. E até o momento a governadora não tomou medida nenhuma em relação a isso.
Sobre tudo isso que o senhor denunciou, a conversa com o ex-secretário Cézar Buzzato, e mesmo nesse caso do Banrisul, a governadora foi conivente ou omissa?
Não cabe a mim avaliar isso...
...mas se o senhor, como vice-governador estava fazendo as denúncias e a governadora não toma providência nenhuma...
Eu, como vice-governador, entendo que sou mais responsável pela coisa pública do que se fosse meu, privado. Se eu sei de uma denúncia contra o dirigente de uma estatal, ou de um órgão público, ou de um secretário, eu tomo medida imediata. A governadora deixou passar 1 ano e não tomou essas medidas. Depois disso, quando veio o relatório (do MP), eu fui a uma audiência com ela para entregar o relatório e ela não quis receber o relatório. Pediu que eu protocolasse e mandasse de forma oficial. E assim o fiz. E uma semana depois foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta entre o MP e o Banrisul, reconhecendo os erros e começando a transformação do que estava errado para o que é certo. Então essa é a realidade. Agora, se ela prevaricou ou não, cabe ao MP, às instituições, fazer essa análise e tomar as medidas que se entendam necessárias. Não cabe a mim como vice-governador. O meu objetivo foi sempre contribuir, o meu e do partido. Contribuir com o governo. Nós é que elegemos a governadora. Fomos eleitos junto com ela.
Portanto, ela sabia das denúncias, até porque elas eram públicas. E não tomou providência nenhuma, é isso?
Até hoje o presidente está lá, do Banrisul. Não foi trocado ainda.
Fonte: Terra Magazine
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