A subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode ser denunciado em cortes internacionais caso decida pela revisão da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Segundo ela, a Corte não tem poder para definir limites de terra indígena no lugar do estudo antropológico. Ela participou nesta terça (12) da audiência pública para debater o tema na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.
"A Constituição é muito clara com relação a isso. São assegurados aos índios as terras que tradicionalmente ocupam de acordo com os seus usos, costumes e tradições, ou seja, o que define uma área indígena é o modo como nela se vive e nem um outro modo", disse a subprocuradora.
Para ela, chega a ser surpreendente que o STF, composto por pessoas obviamente capazes e brilhantes, tenham sido influenciados pelo discurso preconceituoso e racista contra os índios. Duprat se diz surpresa também com a decisão em liminar que possibilitou a permanência dos seis arrozeiros na reserva.
"Antes do mandado de segurança, o Supremo já tinha reconhecido que o que define o limite de uma área indígena é o laudo antropológico, no sentido da expressão do próprio grupo (que vive na área). Então o STF não pode decidir sobre isso sob pena de termos um retrocesso em matéria de direitos humanos", argumentou.
Precedida pelo coordenador-geral de Identificação e Delimitação da Fundação Nacional do Índio (Funai), Paulo Santilli, antropólogo responsável pelo laudo que possibilitou a demarcação de forma contínua da Raposa Serra do Sol, em 15 de abril de 2005 pelo presidente Lula, a subprocuradora elogiou os estudos de Santilli. Ele avaliou questões como mobilidade social nas tradições envolvendo casamento, coleta, caça e questões mitológicas daquele povo.
Também explicou que o antropólogo não cria territórios. "Ele tão pouco diz qual o território ideal para se viver. Ele traduz o modo de vida daquele grupo (...), as relações que entre eles se estabelecem, para por fim dizer qual o perímetro que aquilo se dá", afirmou.
Constituinte de 88
Deborah Duprat disse que a questão indígena não pode ser tratada de forma linear, "como se fosse uma coisa dos 500 anos para cá". Na seu entendimento, a Constituição de 1988 não só rompe com o paradigma da assimilação, que pretendia inserir o índio na sociedade, mas quebra com a chamada sociedade hegemônica, onde prevalece o homem branco e com propriedade.
"Vamos romper com o modelo em que índios, mulheres e portadores de necessidades especiais são relativamente incapazes. Uns condenados ao espaço reservado, ao confinamento do lar e outros à invisibilidade (...). Enfim, a sociedade hegemônica opera desse jeito, a alguns todos os direitos e a outros a ausência dos direitos", diz.
Nesse contexto, ela argumenta que a Constituinte de 88 rompe com esse processo não pela vontade dos iluminados constituintes, mas pela força dos movimentos emancipados de mulheres, indígenas, negros e portadores de necessidades especiais. "É neste contexto, de uma sociedade plural, que está o debate na atualidade sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol", argumentou.
De Brasília,
Iram Alfaia
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