sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Estadão e a conexão Farc-PT: muito barulho por nada

Documentos indicam conexão das Farc com políticos do PT, foi a escandalosa manchete do jornal O Estado de S. Paulo nesta sexta-feira (1º). Nela, o Estadão compra a versão da revista colombiana Cambio, que por sua vez comprou a do presidente Álvaro Uribe, a partir do suposto conteúdo do suposto computador do guerrilheiro Raul Reyes, assassinado em 1º de março. A matéria na página 14, mais honesta, não confirma a manchete.

Por Bernardo Joffily

Capas do 'Estadão' e da 'Câmbio': manchete infeliz

O texto coloca sempre no condicional a suposta denúncia da revista, de um "Dossiê brasileiro". Fala de "documentos que teriam sido entregues pelo presidente colombiano, Álvaro Uribe, ao seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e supostamente provariam os contatos de integrantes do governo brasileiro e do Partido dos Trabalhadores (PT) com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)".

"Notável diferença"

O redator da matéria, mais escrupuloso que o editor da capa, registra que a reportagem de Cambio "usa tons duros em sua denúncia (como 'vínculos que chegaram a níveis escandalosos'), apesar de reconhecer que nenhum dos funcionários do governo brasileiro citados passou e-mails diretamente para membros das Farc. Também contém imprecisões - José Dirceu, por exemplo, é identificado como ministro e não ex-ministro da Casa Civil".

A suposta base documental do "dossiê" é frágil - e-mails supostamente enviados por Oliverio Medina, militante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia asilado no Brasil. As próprias mensagens atestam os cuidados das autoridades brasileiras para não criar problemas nas relações com a Colômbia. E o próprio jornal paulista, no texto interno, esvazia qualquer suposto escândalo diplomático que a revista colombiana parece instigar.

"É notável a diferença no modo como a Colômbia denunciou, em março, as ligações das Farc com a Venezuela e o Equador usando as informações encontradas no mesmo PC de Reyes. Na ocasião, o próprio Uribe foi à televisão para criticar, num discurso inflamado, as conexões dos vizinhos com a guerrilha. Dessa vez, em nome das boas relações com o Brasil, preferiu pedir providências a Lula numa reunião fechada. Bogotá diz que 'respeita a autonomia' do Brasil na análise das informações do computador de Reyes. 'É o Brasil que deve avançar em atribuir as eventuais responsabilidades', afirmou o chanceler Jaime Bermúdez."

Com a manchete do Estadão desmontada pelo texto da página 14 do mesmo jornal, resta a constatação de que as Farc existem. Fundadas há 44 anos, as maiores guerrilhas da Colômbia atuam e se relacionam com o mundo ao seu redor, inclusive no grande país vizinho que é o Brasil.

Um gol contra o crédito do Estadão

Aliás, relacionam-se inclusive com a mídia brasileira, e mais especificamente com O Estado de S. Paulo. Em 24 de agosto de 2003, por exemplo, o velho jornal abriu duas páginas para uma entrevista com Raúl Reyes, concedida a seus repórteres Roberto Lameirinhas e Fabiano Maisonnave. A matéria até valorizava o fato da entrevista ter acontecido "na clandestinidade de um acampamento das Farc", "após uma maratona entre trilhas e igarapés da selva colombiana".

Mesmo com todos os seus pecados (e Deus, que é brasileiro, sabe de sua quantidade e dimensões), a mídia dominante tupiniquim deveria pensar duas vezes antes de se equiparar em sabujice com algumas de suas vizinhas, como a colombiana ou a venezuelana. Isto só faz rebaixá-la. O redator da página 14 do Estado atentou para isso - ponto para ele. O editor da capa rebaixou-se ao nível da Câmbio - e fez um gol contra na confiabilidade do vetusto diário paulistano.

Clique aqui para ver a matéria do Estado na íntegra. <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080801/not_imp215617,0.php>


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