sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A corrupção planejada

Os teóricos da moeda e os operadores das privatizações fecharam o círculo para o assalto ao Estado, com apoio decisivo do então presidente FHC, aquele que se definiu como "mais inteligente do que vaidoso"

Por Mauro Santayana

A privatização do Estado era coisa de amadores. Passou a ser negócio organizado, com planejamento técnico e jurídico, quando alguns jovens "gênios" das finanças foram convocados pelo senhor Fernando Henrique Cardoso, a fim de criar o Plano Real, a partir do Plano Schacht, da Alemanha dos anos 20. Eles perceberam, na reforma monetária, a sua oportunidade de ascensão ao mundo dos grandes negócios.

E se uniram a Daniel Dantas, protegido do senhor Antonio Carlos Magalhães - o poderoso e temido senador -,que criaria, no mesmo ano de 1994, o instrumento adequado: o Fundo Opportunity. Contavam com forte bancada no Congresso constituída dos representantes dos bancos, do agronegócio e das multinacionais, todos interessados nas reformas constitucionais que favorecessem as privatizações. Ao mesmo tempo criaram outras instituições para atuar no mercado de capitais e no programa de privatizações, que cresceram em meses, graças às informações privilegiadas de que dispunham como mentores da política econômica e financeira.

Os teóricos da moeda e os operadores das privatizações fecharam, dessa forma, o círculo para o assalto ao Estado. Os dois grupos contavam com o apoio decidido do então presidente da República. Alguns que o conhecem de perto acham que se deixou perder pela vaidade. Uma das gravações divulgadas pelos meios de comunicação - e não desmentidas - mostra como eles sabiam envolvê-lo. O consórcio comprador que pretendiam favorecer - em que se encontrava Daniel Dantas e seu Opportunity - dependia da Previ, o fundo de pensões dos funcionários do Banco do Brasil. Mas a Previ tinha as suas razões para desconfiar do grupo. Era preciso quebrar as resistências. O então presidente do BNDES, André Lara Resende, telefona a Fernando Henrique:

ALR - Então, o que nós precisaríamos é o seguinte: com o grupo do Opportunity, nós até poderíamos turbiná-lo, via BNDES-Par. Mas o ideal é que a Previ entre com eles lá./

FHC - Com o Opportunity?/

ALR - Com o Opportunity e os italianos./

FHC - Certo./

ALR - Perfeito? Porque aí esse grupo está perfeito./

FHC - Mas e por que não faz isso?/

ALR - Porque a Previ tá, tá do outro lado./

FHC - A Previ?/

ALR - Exatamente. Inclusive com o Banco do Brasil, que ia entrar com a seguradora etc., que diz 'não, isso aí é uma seguradora privada porque...'/

FHC - Não./

ALR - Então, é muito chato./

FHC - Muito chato./

ALR - Olha, quase.../

FHC - Cheira a manobra perigosa./

ALR - Mas é quase explícito./

FHC - Eu acho./

ALR - Quase explícito./

FHC - Eu acho./

ALR - Então, nós vamos ter uma reunião aqui, estive falando com o Luiz Carlos, tem uma reunião hoje aqui às 6h30. Vem aqui aquele pessoal do Banco do Brasil, o Luiz Carlos etc. Agora, se precisarmos de uma certa pressão.../

FHC - Não tenha dúvida./

ALR - A idéia é que podemos usá-lo aí para isso./

FHC - Não tenha dúvida.

Não tiveram dúvida. Iniciou-se a partir daí, com a aprovação do presidente, a liquidação dos bens do Estado, sem levar em conta as leis anteriores nem as regras elementares de licitude administrativa e de ética. Ao falar no Senado sobre o processo de privatizações, o ministro encarregado Luiz Carlos Mendonça de Barros disse que a situação era sui generis e, portanto, não estava sujeita a regras anteriores.

O grande negócio de Daniel Dantas - o da participação na telefonia, com menos de 1% dos capitais envolvidos - só foi possível com o dinheiro dos fundos de pensão das empresas estatais.

Segundo as investigações da Polícia Federal, o Opportunity conseguiu envolver nas teias de seus interesses homens com respeitáveis biografias, como ex-militantes de esquerda e conhecidos acadêmicos. Entre esses, contratou, como seu advogado nos Estados Unidos, por US$ 2 milhões, o senhor Mangabeira Unger. Além disso, montou seu sistema de espionagem, ao contratar a Kroll, que chegou a monitorar até mesmo o gabinete presidencial.

Enfim, como todos deviam saber, o mundo se divide entre os capitalistas e os trabalhadores. Os capitalistas sempre se unem. Os trabalhadores, nem sempre.

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