segunda-feira, 22 de setembro de 2008

PSDB PERDE FUNDO PARTIDÁRIO POR USO DE NOTAS FRIAS. TESOUREIRO DO PARTIDO TRANSFERIU PARTE DO FUNDO PARA CONTA DE SUA EMPRESA


ALAN GRIPP
da Folha de S.Paulo, em Brasília


O corpo técnico do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) encontrou notas fiscais frias em prestação de contas do PSDB e, por isso, recomendou que o partido seja punido com a perda do fundo partidário. Os documentos foram usados para justificar pagamentos de R$ 389,5 mil (dinheiro público) feitos a empresa de um dirigente do próprio partido, o ex-secretário-geral e atual tesoureiro nacional, Márcio Fortes.

A Folha obteve cópias de dois cheques apresentados pelo PSDB à Justiça Eleitoral, ambos nominais à Marka Serviços de Engenharia, pertencente ao tucano. Os cheques, de R$ 34,5 mil e R$ 75 mil, possuem um carimbo do próprio Márcio Fortes. Ou seja, o dirigente atestou pagamentos feitos à sua própria empresa.

Fortes reconheceu à Folha os pagamentos feitos à sua empresa e disse que ela foi contratada às pressas para organizar comícios de candidatos do PSDB nas eleições municipais de 2000. Mas negou que as notas sejam frias (leia o outro lado).

As notas fiscais da Marka foram consideradas "inidôneas" pelos técnicos do TSE por terem sido emitidas quatro anos depois de a empresa ter dado baixa na Receita Federal. Por esse motivo, segundo o tribunal, não é possível comprovar se os serviços para as quais ela recebeu foram efetivamente prestados.

De acordo com a Receita, a empresa foi "baixada" em janeiro de 1996, mas em meados de 2000 recebeu quatro pagamentos, pelos quais emitiu as notas fiscais. Os recursos são provenientes do fundo partidário, portanto públicos. O partido diz que as operações foram legais.

As notas fiscais foram incluídas na prestação de contas do partido referentes a 2000, ainda pendentes de julgamento pelos ministros do TSE. Depois de um vai-e-vem de recursos, os técnicos do tribunal opinaram definitivamente pela sua desaprovação.

O parecer aponta outras irregularidades, entre elas o gasto de R$ 1,1 mil do fundo partidário para quitar o furto de 36 toalhas e 22 edredons durante a realização de um congresso da juventude do partido em Brasília.

O caso agora está nas mãos do ministro Caputo Bastos, que fará um voto pela aprovação ou rejeição das contas. O voto será submetido à apreciação dos demais ministros em plenário. Se as contas forem reprovadas, o partido perderá os repasses do fundo partidário do ano seguinte. Para se ter uma idéia, ano passado o PSDB recebeu R$ 15,5 milhões do fundo.

Na prestação de contas do PSDB de 2001, há outras notas fiscais emitidas pela Marka, que motivaram pareceres pela rejeição. Mas, nesse caso, a legenda ainda pode fazer contestações.

A Receita também já encontrara outros dois cheques do PSDB à Marka, emitidos em 2001 e 2003, no total de R$ 94,7 mil, como mostrou reportagem da Folha em fevereiro desse ano. Eles foram depositados na conta pessoal de Fortes, segundo documento do fisco.

Houve também uma transferência eletrônica (R$ 44,5 mil) referente a pagamento feito à Marka para a conta de Margarete Licassali Lucindo, funcionária do PSDB.

Na apuração feita pelo TSE, os técnicos do tribunal consultaram a Secretaria municipal de Fazenda do Rio, onde a Marka foi registrada. Um ofício da pasta diz que as notas fiscais da empresa "só poderiam ser emitidas até 30/06/1997" e que elas são "inidôneas por emissão fora do prazo de validade".




"Eu me achava acima de qualquer suspeita", diz Fortes



O ex-secretário-geral do PSDB e hoje tesoureiro nacional do partido, Márcio Fortes, disse não ter errado ao autorizar pagamentos da legenda para sua própria empresa, a Marka Serviços de Engenharia. "Eu me achava acima de qualquer suspeita. Tinha e tenho hoje absoluta convicção de que não cometi irregularidade. Ajudei o partido e não me beneficiei com isso", disse.

Questionado se o recebimento de recursos pela Marka não configurava atuação em benefício próprio, respondeu: "Gastei mais do que isso [do que ele recebeu, R$ R$ 389,5 mil] para fazer o serviço, ele [o dinheiro] não caiu assim do céu", afirmou.

Fortes afirmou que os serviços foram todos emergenciais. "Aparece o dinheiro na terça-feira e o serviço tem que estar pronto na sexta, que tem um comício". Disse, entretanto, que não voltaria a liberar recursos públicos do fundo partidário para suas empresas. "Não faria mais. Os critérios de 2000 não eram os mesmo de 2008."

Em defesa entregue à Justiça eleitoral e em nota enviada à Folha, o PSDB afirma que a Marka executou os serviços para os quais foi contratada pelo partido e que a empresa não cometeu nenhuma irregularidade ao emitir notas fiscais consideradas frias por técnicos do TSE.

Na defesa ao TSE, o PSDB diz que a Marka cometeu "falha meramente formal", mas não ilegalidade. Na argumentação do partido, a Marka não estava com a sua inscrição no CNPJ cancelada, mas apenas baixada, no momento em que emitiu as notas fiscais e que isso "não torna os documentos fiscais em questão inidôneos". A Receita e os técnicos do TSE tiveram entendimento contrário.

O partido também reclamou por escrito do atraso no julgamento das contas e diz que o tratamento dispensado ao partido é diferente do dado aos demais: "(...) enquanto alguns partidos tiveram suas contas analisadas dentro de prazo razoável e sob um foco mais flexível, o PSDB terá as suas prestações de contas apreciadas quase uma década depois de apresentadas e quando a nova interpretação do Tribunal mostra-se mais severa".

Sobre os pagamentos de furtos de toalhas e edredons, o partido diz que eles foram feitos diretamente ao hotel onde foi realizado o evento, que acusou a falta dos itens e cobrou uma indenização. "A contratação de serviços com recursos o fundo partidário para a realização de eventos é autorizada em lei", argumentou o partido.

Nenhum comentário:

Marcadores