ALAN GRIPP
da Folha de S.Paulo, em Brasília
O corpo técnico do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) encontrou notas fiscais frias em prestação de contas do PSDB e, por isso, recomendou que o partido seja punido com a perda do fundo partidário. Os documentos foram usados para justificar pagamentos de R$ 389,5 mil (dinheiro público) feitos a empresa de um dirigente do próprio partido, o ex-secretário-geral e atual tesoureiro nacional, Márcio Fortes.
A Folha obteve cópias de dois cheques apresentados pelo PSDB à Justiça Eleitoral, ambos nominais à Marka Serviços de Engenharia, pertencente ao tucano. Os cheques, de R$ 34,5 mil e R$ 75 mil, possuem um carimbo do próprio Márcio Fortes. Ou seja, o dirigente atestou pagamentos feitos à sua própria empresa.
Fortes reconheceu à Folha os pagamentos feitos à sua empresa e disse que ela foi contratada às pressas para organizar comícios de candidatos do PSDB nas eleições municipais de 2000. Mas negou que as notas sejam frias (leia o outro lado).
As notas fiscais da Marka foram consideradas "inidôneas" pelos técnicos do TSE por terem sido emitidas quatro anos depois de a empresa ter dado baixa na Receita Federal. Por esse motivo, segundo o tribunal, não é possível comprovar se os serviços para as quais ela recebeu foram efetivamente prestados.
De acordo com a Receita, a empresa foi "baixada" em janeiro de 1996, mas em meados de 2000 recebeu quatro pagamentos, pelos quais emitiu as notas fiscais. Os recursos são provenientes do fundo partidário, portanto públicos. O partido diz que as operações foram legais.
As notas fiscais foram incluídas na prestação de contas do partido referentes a 2000, ainda pendentes de julgamento pelos ministros do TSE. Depois de um vai-e-vem de recursos, os técnicos do tribunal opinaram definitivamente pela sua desaprovação.
O parecer aponta outras irregularidades, entre elas o gasto de R$ 1,1 mil do fundo partidário para quitar o furto de 36 toalhas e 22 edredons durante a realização de um congresso da juventude do partido em Brasília.
O caso agora está nas mãos do ministro Caputo Bastos, que fará um voto pela aprovação ou rejeição das contas. O voto será submetido à apreciação dos demais ministros em plenário. Se as contas forem reprovadas, o partido perderá os repasses do fundo partidário do ano seguinte. Para se ter uma idéia, ano passado o PSDB recebeu R$ 15,5 milhões do fundo.
Na prestação de contas do PSDB de 2001, há outras notas fiscais emitidas pela Marka, que motivaram pareceres pela rejeição. Mas, nesse caso, a legenda ainda pode fazer contestações.
A Receita também já encontrara outros dois cheques do PSDB à Marka, emitidos em 2001 e 2003, no total de R$ 94,7 mil, como mostrou reportagem da Folha em fevereiro desse ano. Eles foram depositados na conta pessoal de Fortes, segundo documento do fisco.
Houve também uma transferência eletrônica (R$ 44,5 mil) referente a pagamento feito à Marka para a conta de Margarete Licassali Lucindo, funcionária do PSDB.
Na apuração feita pelo TSE, os técnicos do tribunal consultaram a Secretaria municipal de Fazenda do Rio, onde a Marka foi registrada. Um ofício da pasta diz que as notas fiscais da empresa "só poderiam ser emitidas até 30/06/1997" e que elas são "inidôneas por emissão fora do prazo de validade".
"Eu me achava acima de qualquer suspeita", diz Fortes
O ex-secretário-geral do PSDB e hoje tesoureiro nacional do partido, Márcio Fortes, disse não ter errado ao autorizar pagamentos da legenda para sua própria empresa, a Marka Serviços de Engenharia. "Eu me achava acima de qualquer suspeita. Tinha e tenho hoje absoluta convicção de que não cometi irregularidade. Ajudei o partido e não me beneficiei com isso", disse.
Questionado se o recebimento de recursos pela Marka não configurava atuação em benefício próprio, respondeu: "Gastei mais do que isso [do que ele recebeu, R$ R$ 389,5 mil] para fazer o serviço, ele [o dinheiro] não caiu assim do céu", afirmou.
Fortes afirmou que os serviços foram todos emergenciais. "Aparece o dinheiro na terça-feira e o serviço tem que estar pronto na sexta, que tem um comício". Disse, entretanto, que não voltaria a liberar recursos públicos do fundo partidário para suas empresas. "Não faria mais. Os critérios de 2000 não eram os mesmo de 2008."
Em defesa entregue à Justiça eleitoral e em nota enviada à Folha, o PSDB afirma que a Marka executou os serviços para os quais foi contratada pelo partido e que a empresa não cometeu nenhuma irregularidade ao emitir notas fiscais consideradas frias por técnicos do TSE.
Na defesa ao TSE, o PSDB diz que a Marka cometeu "falha meramente formal", mas não ilegalidade. Na argumentação do partido, a Marka não estava com a sua inscrição no CNPJ cancelada, mas apenas baixada, no momento em que emitiu as notas fiscais e que isso "não torna os documentos fiscais em questão inidôneos". A Receita e os técnicos do TSE tiveram entendimento contrário.
O partido também reclamou por escrito do atraso no julgamento das contas e diz que o tratamento dispensado ao partido é diferente do dado aos demais: "(...) enquanto alguns partidos tiveram suas contas analisadas dentro de prazo razoável e sob um foco mais flexível, o PSDB terá as suas prestações de contas apreciadas quase uma década depois de apresentadas e quando a nova interpretação do Tribunal mostra-se mais severa".
Sobre os pagamentos de furtos de toalhas e edredons, o partido diz que eles foram feitos diretamente ao hotel onde foi realizado o evento, que acusou a falta dos itens e cobrou uma indenização. "A contratação de serviços com recursos o fundo partidário para a realização de eventos é autorizada em lei", argumentou o partido.
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