Rui Falcão
Em reportagem no jornal Valor Econômico (11/11/2008, A12), o jornalista Paulo Totti escreve que o programa Bolsa Família desbancou a cana-de-açúcar – a mais tradicional atividade econômica de Alagoas - como esteio econômico e social do Estado. “Nos últimos tempos, e acentuadamente durante o mandato do atual governo federal, os donos do açúcar tornaram-se menos importantes do que os beneficiários do Bolsa Família, menos importantes do que os aposentados da Previdência Social, menos importantes até que os desempregados. Hoje a economia alagoana depende mais dessas três categorias e menos dos usineiros”, afirma ele. E vai aos números:
Enquanto a massa salarial gerada na principal atividade agrícola do Estado chegará a R$ 100 milhões neste ano, remunerando 1,4 milhão de trabalhadores, o Bolsa Família vai irrigar a economia estadual com R$ 368 milhões, três vezes e meia os salários provenientes da cana-de-açúcar. O quadro do seguro-desemprego é semelhante: no ano passado, 65 mil alagoanos receberam R$ 134 milhões de seguro-desemprego, um terço mais que os cortadores de cana. E ainda maior é a contribuição da Previdência Social. Com o 13º, a Previdência beneficiará cerca de 1,5 milhão de alagoanos, quase metade da população do Estado, com R$ 2,4 bilhões – mais de vinte vezes o pagamento anual da cana.
Um quadro semelhante, com variações apenas na intensidade da dependência dos recursos federais, vai encontrar-se em grande parte dos municípios e Estados do Nordeste, num atestado da fragilidade econômica e social da região em geral. São principalmente os recursos federais das políticas públicas - aos quais se juntam ainda as transferências do Fundo de Participação dos Municípios, do IPI e do IR -, os responsáveis pelo movimento do comércio local, pela manutenção da máquina pública e pela folha de pessoal. E o serão, como observa o jornalista Totti, enquanto investimentos privados não forem suficientes para impulsionar a economia regional numa direção auto-sustentável.
Se ainda havia dúvidas, eis aí a diferença que caracteriza o governo Lula, duas vezes vitorioso nas urnas, por ter sido acolhida pelo eleitorado a sua proposta de implementar um programa comprometido com a defesa dos mais pobres e com a retomada do crescimento com justiça social, outro nome para desenvolvimento sustentável. É à luz da crise mundial, que ameaça lançar 20 milhões de pessoas no desemprego, segundo previsão da Organização Mundial do Trabalho (OIT), que se tem a percepção aguçada para o acerto de tal opção.
No programa petista e da base governamental, que se expressa agora como escudo de proteção à crise que se avizinha, ressalta também o contraste com o governo FHC, que preferiu confiar somente nas forças do mercado, como instrumento de promoção do crescimento e do bem-estar, daí tendo produzido como resultado o que se tornou a marca registrada da administração tucana: depauperação do Estado, destituição de sua capacidade de planejamento e de implementação de políticas públicas, omissão na defesa do interesse nacional, desemprego e dívida pública recordes.
Como registrou o jornal Valor Econômico, saltam aos olhos agora os benefícios sociais e a importância estratégica da rede de proteção social construída pelo governo Lula no Brasil – neste momento, o país mais do que nunca invejado por boa parte do mundo, nesse quesito, da China à Índia, de países da África a países da América Latina – quando a incerteza instalada nas expectativas das pessoas faz temer pelos resultados sociais desastrosos, que poderão resultar da contaminação da economia real pela desenfreada especulação nos setores de crédito e finanças mundiais.
É a vida de milhões de pessoas que está em jogo, segundo alerta a OIT, o que levará os mais pobres a suportar o peso maior da crise. Isso é o que não pode ocorrer, tem advertido o presidente Lula em todos os foros internacionais, ecoando as suas próprias palavras quando da abertura em setembro dos trabalhos da Assembléia Geral das Nações Unidas.
A crise, gerada no centro do sistema, ameaça atingir as economias menos desenvolvidas, justamente num momento em que estas têm obtido êxito na retomada da produção sustentável, como é o caso do Brasil. Embora seja consensual que o País não será um dos mais atingidos, os primeiros reflexos de recessão mundial começam a chegar até nós, como pode perceber-se na retração do crédito, na desaceleração do crescimento da indústria, da perda de dinamismo na recuperação do emprego, e das exportações.
É preciso reagir, para que os mais pobres não voltem a pagar a conta, como das vezes anteriores – e a defesa dos mais pobres, como afirma Lula, responde não apenas a um compromisso ético de equanimidade e defesa da vida, mas também à relevância estratégica de sua capacidade de consumo e de sustentação do mercado interno, como meio de atenuar a queda no nível das atividades econômicas, da geração do emprego e da renda.
Da crise colhe-se o benefício de se ter restabelecido a compreensão da função estratégica do Estado como responsável pela indução do desenvolvimento, da redução das desigualdades e da promoção social. Uma vez desacreditada, a confiança excludente e oportunista no mercado, por parte dos fundamentalistas, cede lugar à firme intervenção governamental, para o restabelecimento das condições que conduzam a um Estado de bem-estar. Ainda que venha a ser refeito em novas bases, o desenho do Estado que ressurgir da crise, como resultado de seu enfrentamento, não prescindirá do fortalecimento da rede de proteção social, deliberadamente destroçada no interregno neoliberal.
Segundo admite a equipe de transição do novo presidente eleito dos EUA, o seu desafio é o mesmo de Franklin Roosevelt em 1932: conjurar medidas de impacto para evitar a depressão e recolocar a economia no caminho da recuperação. Fala-se em estímulo fiscal de 2% a 3%, entre US$ 300 bilhões e US$ 450 bilhões, para em parte encorajar o consumo, em parte reconstruir a infra-estrutura, além de socorrer os milhões de mutuários que foram vítimas da especulação com hipotecas. Em resumo, Obama elabora um novo New Deal, com socorro para as indústrias mais atingidas, como a de automóvel e de aviação civil, extensão do seguro-desemprego para além de 26 semanas, aumento do valor dos cupons de alimentação (programa equivalente ao Bolsa Família), recuperação dos devastados fundos de aposentadoria, socorro financeiro às administrações locais, etc. Se mais precisar, Obama não hesitará em jogar o peso do Estado norte-americano na reconstrução da economia com salvaguardas sociais.
Por obra do Partido dos Trabalhadores, cujo programa se caracteriza pelo compromisso com as classes trabalhadoras pelo apoio à promoção de seu bem-estar, o Brasil do governo Lula parece ter-se antecipado em oferecer preventivamente ao mundo um esboço bem-sucedido de projeto de desenvolvimento de longo prazo, de sustentabilidade assentada não apenas na estabilidade econômica, necessária a um ambiente de negócios propício ao investimento, mas também em políticas públicas, cujos efeitos sobre os beneficiários são a razão de ser de seu sucesso. É a manutenção e o fortalecimento das políticas sociais que vão contribuir para a sustentação do nível de consumo e do investimento, permitindo ao Brasil minorar o impacto da crise mundial, assegurar o crescimento de curto prazo e tocar os investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento.
É pouco dizer que Lula seja um presidente de sorte. O Estado brasileiro será menos atingido pela crise, em especial na sua dimensão social, porque o governo Lula soube antecipar-se a ela com planejamento e estratégia de longo prazo. Políticas sociais implicam gastos em volumes consideráveis e de alta qualidade. É o que se conclui da experiência de Alagoas, um retrato em miniatura do que se observa em todo o País.
A consolidação da rede de proteção social pelo governo Lula, além de um compromisso do PT com as classes menos favorecidas – e, por implicação, com o desenvolvimento sustentável - expressa o respeito à Constituição Federal, que, entre as conquistas sociais, incorpora o dever de assegurar o bem-estar dos trabalhadores e dos menos favorecidos.
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