Serra, Mantega e montadoras no mundo de Oz
As reportagens, todas numa página só, "Folha de S. Paulo" de 12 de novembro, são de Tatiana Resende, Kennedy Alencar, Toni Sciarreta e Cátia Seabra, e focalizam o maciço apoio financeiro do Banco do Brasil e da Nossa Caixa (de São Paulo) às montadoras de automóveis para que possam fazer face à queda na produção e nas vendas que se projetaram em outubro. No alto da página, em cores, sorrindo, aparecem o governador José Serra, o ministro Guido Mantega, o secretário de Trabalho de São Paulo, Afif Domingos, e o presidente da Anfavea, Jackson Schneider. Fantástico.
Qual a razão de tanta alegria? Não sei, não consigo atinar, já que o panorama é de crise - e grave. Entretanto, pela atmosfera de fantasia que a atitude conjunta do elenco desperta, me lembrei do clássico da Metro "O mágico de Oz", do diretor Victor Fleming, início da década de 40, belo filme que projetou Judy Garland. A canção "Arco-íris", reproduzida até hoje, ficou superfamosa. Leio então o texto e ele está em contradição com a imagem. O Banco do Brasil, numa primeira etapa, já havia repassado 4 bilhões de reais às fábricas de automóveis. Numa segunda etapa, mais 1 bilhão e 500 milhões. Não acaba aí a seqüência.
O Nossa Caixa, banco estadual que está sendo absorvido pelo Banco do Brasil, destinou por seu turno 4 bilhões de reais às empresas montadoras. Neste ponto fiquei perplexo. Porque encontro no quadro das matérias, ao lado, em um dos blocos, que o BB está adquirindo o Nossa Caixa por 6,4 bilhões. O governador Serra achava que valia mais, mas, vá lá. Logo, por isso, fica nítido que o Nossa Caixa não vinha bem. Pois se estivesse firme, o governador de São Paulo tentaria privatizá-lo, não passá-lo ao BB. Mas se o Nossa Caixa estava com dificuldades (de caixa), como imaginar que, na véspera de sua venda ao BB, tenha liberado 4 bilhões de reais às montadoras?
Quer dizer: quem liberou, no fundo, foi o Banco do Brasil. Assim, o BB repassou não apenas 5,5 bilhões, em duas parcelas, às fábricas instaladas no ABCD paulista, mas de fato estes 5,5 bilhões e mais a parcela de outros 4 bi através do Nossa Caixa. Assim, foram, ao todo, 9 bilhões e 500 milhões de reais. As montadoras devem ter saído lucrando. Caso contrário, Jackson Schneider não teria motivo para aparecer rindo tanto na foto da "Folha de S. Paulo". Não teria. Se a situação era de dificuldade, qual o por que de tanta euforia? Qual o motivo do humor?
Uma contradição dentro da outra. Revela a FSP que a produção de veículos em outubro foi de 296 mil unidades. 0,3 por cento menor que a de outubro de 2007. As vendas no mercado interno ficaram em 239 mil, 2,1 por cento menores que as registradas no mesmo mês do ano passado. E as atingidas. Em outubro, foram exportados 65,9 mil veículos, parcela 16,4 por cento menos que as verificadas em outubro de 2007. É verdade que as empresas montadoras ganham mais com as revendas do que com a produção. Várias delas, exemplo da Ford, da Fiat, da Volkswagen, criaram bancos de financiamento.
Com isso lucram fortemente nos juros cobrados, embora sejam eles, em torno de 0,9 a 1 por cento ao mês, os menores do mercado. Mas ao ano atingem 12 por cento. A inflação dos últimos doze meses, pelo IBGE, está em torno de 7 por cento. São assim 5 por cento em cima do montante de 296 mil veículos. Entretanto, entraram em crise com o recuo ocorrido na comercialização.
Porém o Banco do Brasil entrou firme para assegurar os lucros, cuja queda ameaçava o nível de emprego (é sempre assim), que se acumulara por muitos anos. Mas para a visão capitalista tradicional, lucro alto é para sempre. Quando diminui um pouco, não há problema. Entre o Banco do Brasil, o Nossa Caixa (agora também BB), o BNDES, a Caixa Econômica Federal.
E "La nave va", como no filme de Fellini. O capitalismo (quem diria?) acabou sendo estatal, principalmente para evitar prejuízos. O Nossa Caixa desembolsou 4 bilhões para as montadoras quando estava sendo vendido ao BB por 6,4 bilhões de reais. Não tem importância.
As montadoras se reestabilizam, o Banco do Brasil assume o déficit de operação e a carteira do Nossa Caixa. Eles, que são bancos, lá que se entendam, como outro dia alguém disse em tom de ironia. Amarga ironia, na verdade.
Um outro assunto. Também na "Folha de S. Paulo" de 12/11, Plínio Fraga publicou artigo sobre o sistema microtargeting, adotado agora nos Estados Unidos pelos responsáveis da campanha de Barack Obama. Consiste no levantamente minucioso das tendências regionais dos Estados Unidos, no sentido de que, nos seus deslocamentos, o candidato sintonizasse sempre seus discursos e entrevistas, de acordo com um sistema superinteligente. Mas que já foi colocado em prática no Brasil na campanha de Jânio Quadros, sucessão de 60, coordenada em conjunto pelo deputado Virgílio Távora e pelo jornalista José Aparecido de Oliveira, grande amigo meu.
O artigo me fez lembrar dele e ressaltar que, tanto ele quanto Virgílio Távora, que depois foi ministro dos Transportes de João Goulart, em 61, e governador do Ceará eleito em 62, estavam muito adiante de seu tempo. Tanto assim que hoje é exaltado um sistema adotado 48 anos atrás. Naquele tempo não havia nem fax, quanto mais internet
As reportagens, todas numa página só, "Folha de S. Paulo" de 12 de novembro, são de Tatiana Resende, Kennedy Alencar, Toni Sciarreta e Cátia Seabra, e focalizam o maciço apoio financeiro do Banco do Brasil e da Nossa Caixa (de São Paulo) às montadoras de automóveis para que possam fazer face à queda na produção e nas vendas que se projetaram em outubro. No alto da página, em cores, sorrindo, aparecem o governador José Serra, o ministro Guido Mantega, o secretário de Trabalho de São Paulo, Afif Domingos, e o presidente da Anfavea, Jackson Schneider. Fantástico.
Qual a razão de tanta alegria? Não sei, não consigo atinar, já que o panorama é de crise - e grave. Entretanto, pela atmosfera de fantasia que a atitude conjunta do elenco desperta, me lembrei do clássico da Metro "O mágico de Oz", do diretor Victor Fleming, início da década de 40, belo filme que projetou Judy Garland. A canção "Arco-íris", reproduzida até hoje, ficou superfamosa. Leio então o texto e ele está em contradição com a imagem. O Banco do Brasil, numa primeira etapa, já havia repassado 4 bilhões de reais às fábricas de automóveis. Numa segunda etapa, mais 1 bilhão e 500 milhões. Não acaba aí a seqüência.
O Nossa Caixa, banco estadual que está sendo absorvido pelo Banco do Brasil, destinou por seu turno 4 bilhões de reais às empresas montadoras. Neste ponto fiquei perplexo. Porque encontro no quadro das matérias, ao lado, em um dos blocos, que o BB está adquirindo o Nossa Caixa por 6,4 bilhões. O governador Serra achava que valia mais, mas, vá lá. Logo, por isso, fica nítido que o Nossa Caixa não vinha bem. Pois se estivesse firme, o governador de São Paulo tentaria privatizá-lo, não passá-lo ao BB. Mas se o Nossa Caixa estava com dificuldades (de caixa), como imaginar que, na véspera de sua venda ao BB, tenha liberado 4 bilhões de reais às montadoras?
Quer dizer: quem liberou, no fundo, foi o Banco do Brasil. Assim, o BB repassou não apenas 5,5 bilhões, em duas parcelas, às fábricas instaladas no ABCD paulista, mas de fato estes 5,5 bilhões e mais a parcela de outros 4 bi através do Nossa Caixa. Assim, foram, ao todo, 9 bilhões e 500 milhões de reais. As montadoras devem ter saído lucrando. Caso contrário, Jackson Schneider não teria motivo para aparecer rindo tanto na foto da "Folha de S. Paulo". Não teria. Se a situação era de dificuldade, qual o por que de tanta euforia? Qual o motivo do humor?
Uma contradição dentro da outra. Revela a FSP que a produção de veículos em outubro foi de 296 mil unidades. 0,3 por cento menor que a de outubro de 2007. As vendas no mercado interno ficaram em 239 mil, 2,1 por cento menores que as registradas no mesmo mês do ano passado. E as atingidas. Em outubro, foram exportados 65,9 mil veículos, parcela 16,4 por cento menos que as verificadas em outubro de 2007. É verdade que as empresas montadoras ganham mais com as revendas do que com a produção. Várias delas, exemplo da Ford, da Fiat, da Volkswagen, criaram bancos de financiamento.
Com isso lucram fortemente nos juros cobrados, embora sejam eles, em torno de 0,9 a 1 por cento ao mês, os menores do mercado. Mas ao ano atingem 12 por cento. A inflação dos últimos doze meses, pelo IBGE, está em torno de 7 por cento. São assim 5 por cento em cima do montante de 296 mil veículos. Entretanto, entraram em crise com o recuo ocorrido na comercialização.
Porém o Banco do Brasil entrou firme para assegurar os lucros, cuja queda ameaçava o nível de emprego (é sempre assim), que se acumulara por muitos anos. Mas para a visão capitalista tradicional, lucro alto é para sempre. Quando diminui um pouco, não há problema. Entre o Banco do Brasil, o Nossa Caixa (agora também BB), o BNDES, a Caixa Econômica Federal.
E "La nave va", como no filme de Fellini. O capitalismo (quem diria?) acabou sendo estatal, principalmente para evitar prejuízos. O Nossa Caixa desembolsou 4 bilhões para as montadoras quando estava sendo vendido ao BB por 6,4 bilhões de reais. Não tem importância.
As montadoras se reestabilizam, o Banco do Brasil assume o déficit de operação e a carteira do Nossa Caixa. Eles, que são bancos, lá que se entendam, como outro dia alguém disse em tom de ironia. Amarga ironia, na verdade.
Um outro assunto. Também na "Folha de S. Paulo" de 12/11, Plínio Fraga publicou artigo sobre o sistema microtargeting, adotado agora nos Estados Unidos pelos responsáveis da campanha de Barack Obama. Consiste no levantamente minucioso das tendências regionais dos Estados Unidos, no sentido de que, nos seus deslocamentos, o candidato sintonizasse sempre seus discursos e entrevistas, de acordo com um sistema superinteligente. Mas que já foi colocado em prática no Brasil na campanha de Jânio Quadros, sucessão de 60, coordenada em conjunto pelo deputado Virgílio Távora e pelo jornalista José Aparecido de Oliveira, grande amigo meu.
O artigo me fez lembrar dele e ressaltar que, tanto ele quanto Virgílio Távora, que depois foi ministro dos Transportes de João Goulart, em 61, e governador do Ceará eleito em 62, estavam muito adiante de seu tempo. Tanto assim que hoje é exaltado um sistema adotado 48 anos atrás. Naquele tempo não havia nem fax, quanto mais internet
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