"Fiquei impressionado com a desumanidade de muitos comentaristas e mesmo leitores nos diversos textos circulando depois do gesto digno e justo do nosso ministro da Justiça. A questão Cesare Battisti não é só política, tem o lado humano. Como certas pessoas podem defender, em sã consciência, que se devolva à Itália um homem que vive fugindo há mais de trinta anos, que foi condenado num julgamento cheio de erros e que, por isso mesmo, pode ser inocente ? Que suas filhas sejam privadas definitivamente do pai, sofrendo igualmente com essa condenação. Eu não poderia dormir e foi por isso que defendi Cesare Battisti e louvo o gesto do ministro Tarso Genro já respaldado pelo presidente Lula".
RUI MARTINS
Berna (Suiça) - Enquanto não vivemos num país planeta, enquanto continuarmos divididos em países e nações é importante que os outros países nos respeitem e, ainda mais importante, não aceitar que nos desrespeitem.
O Brasil está chegando no seu futuro. É uma nação feita com imigrantes forçados africanos, com imigrantes voluntários desde a colonização, e com seus primeiros habitantes. O sentimento de ser brasileiro é vivo nos quatro milhões de emigrantes espalhados pelos mundo. Chegou, portanto, a hora de nos unirmos em torno dos nossos valores, cultura e diferenças, acumulados nestes 500 anos, para sermos brasileiros orgulhosos desse grande país.
Sem um grande sentimento nacional, que preserve nossa diversidade, não poderemos criar junto com nossos vizinhos uma grande federação latina. Os estadunidenses, os franceses, os ingleses têm uma profunda consciência nacional, mesmo se estes últimos fazem agora parte de uma pátria maior, a União Européia.
Logo depois da proclamação da nossa República, como houvesse estrangeiros insatisfeitos com o fim da monarquia, uma enorme frota de navios chegou ao Rio para, a pretexto de repatriar seus nacionais, dar um golpe no presidente alagoano Floriano Peixoto. Os embaixadores da Inglaterra, Alemanha e França pediram uma audiência com nosso presidente, para tratar da questão, e o nosso presidente mandou-lhes dizer que os receberia à bala.
Conta-se também que um embaixador estadunidense, Adolp Augustus Berle Jr., foi se encontrar com Janio Quadros, em Brasília, e lhe pediu que desse uma ajuda numa invasão de Cuba para derrubar Fidel Castro. “Não tenho essa prerrogativa, disse nosso presidente, e nem vou pedir”. O embaixador ao ver que o punham para fora se atrapalhou de porta e até entrou no banheiro.
Ao contrário desses comportamentos, Jango Goulart dava trela para outro embaixador estadunidense, o Lincoln Gordon, que vivia viajando pelo Brasil, fazendo conchavos e acabou por ser um dos articuladores do golpe militar de 1964.
A carta do presidente italiano Giorgio Napolitano ao presidente Lula, criticando a concessão do refúgio ao italiano Cesare Battiti pelo ministro da Justiça, constitui uma ousadia que deve receber uma resposta à altura. O governo italiano passou das medidas, tem de respeitar nossas decisões, e merece uma bela e sonora bronca.
Rememoro esses fatos, porque fiquei aturdido ao ler a reação de alguns jornais, editores e mesmo colegas querendo utilizar, contra nosso ministro da Justiça Tarso Genro e contra nosso presidente Lula, as ameaças feitas por um ministro italiano ao Brasil por não ter extraditado o italiano Cesare Battisti. Ameaças de que a Itália não irá mais apoiar o Brasil no G-8 ou 11 e provavelmente na candidatura ao Conselho de Segurança.
O ministro italiano tem o direito de bronquear lá na casa dele, mas é inaceitável que alguns órgãos de nossa imprensa tomem as dores italianas e mesmo editoriais sejam escritos lamentando o descontentamento italiano. Podemos divergir e até mesmo brigar entre nós brasileiros por questões de opinião, mas não podemos fazer coro com um membro de um governo estrangeiro. Nosso governo, por ter sido democraticamente eleito, representa com seus ministros toda nossa nação. O Brasil hoje é um respeitável país emergente, líder do G-20, adversário ferrenho dos EUA na OMC, não é nenhuma republiqueta.
Quando um governo estrangeiro ameaça o Brasil, o mínimo que se espera da nossa imprensa é uma reação de união nacional. Quem não gostou do ato do ministro Tarso Genro pode escrever, berrar, bronquear, mas não pode caucionar ameaça estrangeira. Pega mal, é desrespeito ao nosso país, às suas instituições, é agir como um entreguista, como um quinta coluna.
É verdade, já se faz e já se fez muita traição em termos econômicos – venderam nossas riquezas básicas e mesmo estratégicas para multinacionais pensando só nas comissões. Mas está na hora de formarmos uma nova geração respeitadora e orgulhosa de nossas instituições. Vamos reagir contra Carta Capital, pretensa revista de centro-esquerda e que publicou o pior texto da semana sobre o caso Cesare Battisti, enquanto Época e Isto É publicaram textos corretos e a própria Veja foi comedida. Vamos protestar contra os editoriais da Folha e do Estadão e contra os textos em blogs e sites na Internet que caucionaram as ameaças italianas, enquecendo-se do brio de brasileiros.
Outra coisa – fiquei impressionado com a desumanidade de muitos comentaristas e mesmo leitores nos diversos textos circulando depois do gesto digno e justo do nosso ministro da Justiça. A questão Cesare Battisti não é só política, tem o lado humano. Como certas pessoas podem defender, em sã consciência, que se devolva à Itália um homem que vive fugindo há mais de trinta anos, que foi condenado num julgamento cheio de erros e que, por isso mesmo, pode ser inocente ? Que suas filhas sejam privadas definitivamente do pai, sofrendo igualmente com essa condenação. Eu não poderia dormir e foi por isso que defendi Cesare Battisti e louvo o gesto do ministro Tarso Genro já respaldado pelo presidente Lula.
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