domingo, 21 de junho de 2009

Exército executou 41 no Araguaia, revela Curió!


Diferentemente dos números que Até hoje eram conhecidos, 25 casos de guerrilheiros mortos, relato do oficial confirma 41 e dá detalhes da perseguição


Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, o oficial vivo mais conhecido do regime militar (1964-1985), abriu ao Estado o seu lendário arquivo sobre a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Os documentos, guardados numa mala de couro vermelho há 34 anos, detalham e confirmam a execução de adversários da ditadura nas bases das Forças Armadas na Amazônia. Dos 67 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas.

Até a abertura do arquivo de Curió, eram conhecidos 25 casos de execução. Agora há 16 novos casos, reunidos a partir do confronto do arquivo do major com os livros e reportagens publicados. A morte de prisioneiros representou 61% do total de baixas na coluna guerrilheira.

Uma série de documentos, muitos manuscritos do próprio punho de Curió, feitos durante e depois da guerrilha, contraria a versão militar de que os mortos estavam de armas na mão na hora em que tombaram. Muitos se entregaram nas casas de moradores da região ou foram rendidos em situações em que não ocorreram disparos.

Os papéis esclarecem passo a passo a terceira e decisiva campanha militar contra os comunistas do PC do B - a Operação Marajoara, vencida pelas Forças Armadas, de outubro de 1973 a janeiro de 1975. O arquivo deixa claro que as bases de Bacaba, Marabá e Xambioá, no sul do Pará e norte do Estado do Tocantins, foram o centro da repressão militar.



DESCRIÇÕES

O guerrilheiro paulista Antônio Guilherme Ribas, o Zé Ferreira, teve um final trágico, descrito assim no arquivo de Curió: “Morto em 12/1973. Sua cabeça foi levada para Xambioá”. O piauiense Antonio de Pádua Costa morreu diante de um pelotão de fuzilamento em 5 de março de 1974, às margens da antiga PA-70. O gaúcho Silon da Cunha Brum, o Cumprido, entrou nessa lista. “Capturado” em janeiro de 1974, morreu em seguida. Daniel Ribeiro Calado, o Doca, é outro da lista: “Em jul/74 furtou uma canoa próximo ao Caianos e atravessou o Rio Araguaia, sendo capturado no Estado de Goiás”.

Só adolescentes que integravam a guerrilha foram poupados, como Jonas, codinome de Josias, de 17 anos, que ficou detido na base da Bacaba, no quilômetro 68 da Transamazônica. Documento datilografado do Comando Militar da Amazônia, de 3 de outubro de 1975, assinado pelo capitão Sérgio Renk, destaca que Jonas ficou três meses na mata com a guerrilha, “sendo posteriormente preso pelo mateiro Constâncio e ‘poupado’ pela FORÇA FEDERAL devido à pouca idade”.

Curió permitiu o acesso do Estado ao arquivo sem exigir uma avaliação prévia da síntese, das conclusões e análises dos documentos. Ele disse que essa foi uma promessa que fez para si próprio. Passadas mais de três décadas, a história da terceira campanha ainda assusta as Forças Armadas: foi o momento em que os militares retomaram as estratégias de uma guerra de guerrilha, abandonadas havia mais de cem anos.

“Até o meio da terceira campanha houve combates. Mas, a partir do meio da terceira campanha para frente, houve uma perseguição atrás de rastros. Seguíamos esse rastro duas, três semanas”, relata. “A terceira campanha é que teve o efeito que o regime desejava.”

Um dos algozes do movimento armado na Amazônia, ele mantém um costume da época: não se refere aos guerrilheiros como terroristas, como outros militares. “Em hipótese alguma procuro denegrir a imagem dos integrantes da coluna guerrilheira, daquela juventude”, diz. “O inimigo, por ser inimigo, tem de ser respeitado.”

Ele ressalta que, como um jovem capitão na selva, tinha ideal: “Queria ser militar porque queria defender a pátria, achava bonito. Alguns guerrilheiros tinham os mesmos ideais que nós. Mas nossos caminhos eram diferentes. Eu achava que o meu caminho era o correto. Eles achavam que o deles era o correto. Não eram bandidos, eram jovens idealistas”.

No livro A Ditadura Escancarada, o jornalista Elio Gaspari diz que “a reconstrução do que sucedeu na floresta a partir do Natal de 1973 é um exercício de exposição de versões prejudicadas pelo tempo, pelas lendas e até mesmo pela conveniência das narrativas”. E emenda: “Delas, a mais embusteira é a dos comandantes que se recusam a admitir a existência da guerrilha e a política de extermínio que contra ela foi praticada”.



MOTIM

Essa política de extermínio fica um pouco mais clara com a abertura do arquivo de Curió. Pela primeira vez, a versão militar da terceira e decisiva campanha é apresentada sem retoques por um participante direto das ações no Araguaia.

Curió esteve envolvido no motim contra o presidente Geisel (1977), no comando do garimpo de Serra Pelada (1980-1983), na repressão ao incipiente Movimento dos Sem-Terra no Rio Grande do Sul (1981) e à frente de uma denúncia decisiva no processo de impeachment de Fernando Collor (1992).

O arquivo dá indicações sobre a política de extermínio comandada durante os governos de Emílio Garrastazu Medici e Ernesto Geisel por um triunvirato de peso. Na ponta das ordens estiveram os generais Orlando Geisel (ministro do Exército de Medici), Milton Tavares (chefe do Centro de Inteligência do Exército) e Antonio Bandeira (chefe das operações no Araguaia). Curió lembra que a ordem dos escalões superiores era tirar de combate todos os guerrilheiros. “A ordem de cima era que só sairíamos quando pegássemos o último.”

“Se tivesse de combater novamente a guerrilha, eu combateria, porque estava erguendo um fuzil no cumprimento do dever, cumprindo uma missão das Forças Armadas, para assegurar a soberania e a integridade da pátria.”



O QUE FOI A GUERRILHA

Em 1966, integrantes do PC do B começaram a se instalar em três áreas do Bico do Papagaio, região que abrange o sul do Pará e o norte do atual Estado do Tocantins. A Guerrilha do Araguaia era composta por uma comissão militar e pelos destacamentos A, B e C.

Da força guerrilheira, 98 pessoas pegaram em armas ou atuaram em trabalhos de logística. Deste total, 78 foram recrutadas pelo partido nas grandes metrópoles brasileiras e 20 na própria região do conflito.

Entre 1972 e 1974, as Forças Armadas promoveram três campanhas na tentativa de eliminar a guerrilha - só venceu na última. A repressão contou com cerca de 5 mil agentes, incluindo homens das polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar e Civil.

O conflito deixou um saldo de 84 mortos, sendo 69 guerrilheiros ou apoios da guerrilha, 11 militares e 4 camponeses sem vínculos com o partido ou o Exército. Vinte e nove guerrilheiros sobreviveram às três campanhas.

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