No documentário “Simonal – Ninguém sabe o duro que dei” há o registro de uma frase do próprio:
“Certa ocasião, eu estava convervando com o meu anjo da guarda. E ele disse: ou você vai ser alguém na vida ou vai morrer crioulo mesmo”...
O humorista sem graça Claúdio Manoel, do Casseta e Planeta, quer fazer drama. Em seu primeiro projeto paralelo, trabalha num documentário sobre o cantor Wilson Simonal, personagem controvertido da nossa música popular.
"Ele inventou o show biz brasileiro moderno. Foi o primeiro cantor a usar marketing, a vender um milhão de discos e fazer show em estádio. Mas morreu no ostracismo, depois da denúncia de que seria informante do regime militar.
"Aí tem um drama. Como o artista mais amado do País tornou-se tão odiado? Como o homem que vendia alegria morreu de tristeza?"
Cláudio tem 43 anos e entrava na adolescência quando os fatos aconteceram, entre os anos 60 e os 70. Interessou-se por Simonal ao ler Noite Tropicais, livro de Nelson Motta, sobre esse período. "Pensei em fazer ficção, mas descobri material inexplorado, bom para um documentário. Além disso, os fatos são inverossímeis, embora absolutamente verdadeiros", comenta o humorista. "Simonal é um caso de delator sem delatado. As acusações contra ele têm sujeito indeterminado. É, disseram, conta-se, mas ninguém assume a denúncia. Não quero inocentá-lo ou satanizar seus acusadores, só contar como era aquela época e reabilitar o cantor magnífico."
A HISTÓRIA QUE QUEREM APAGAR
Eis os fatos reais, de acordo com o relato de diferentes pessoas: Simonal achava que seu contador o estava roubando, e contratou dois meganhas para dar uma surra no mesmo. O surrado deu queixa na polícia e o cantor foi processado e condenado — não foi preso por ser criminoso primário. A história se espalhou e muita gente do meio musical cobrou de Simonal por que ele teria mandado dar a surra.
Acontece que os meganhas contratados por ele eram do DOPS, tinham feito um bico no horário de folga. Simonal, que tinha um lado infantil e valentão, passou a espalhar: “Ninguém mexa comigo porque eu tenho amigos no DOPS”. Essa atitude, somada ao fato de que o cantor era visto como favorável ao governo militar, fez com o que tem de ser feito nesses casos: o banimento do alcaguete.
Logo depois da campanha vitoriosa no México, Simonal fez uma visita-surpresa aos escritórios da Simonal Produções, em Copacabana, onde 13 pessoas, entre produtores, assistentes, secretárias, boys e contadores, trabalhavam para ele. Para ele e seus sócios, seus muitos sócios em vários negócios, envolvendo diversos e às vezes conflitantes interesses de agências, patrocinadores e empresários. Simonal ganhava muito dinheiro, e muita gente ganhava muito dinheiro com ele.Mas quando Simonal sentou com o contador para ver o resultado de tanto sucesso e tanto dinheiro, ficou sabendo que as despesas e comissões eram enormes, que as multas e impostos eram altíssimos, que pesados investimentos tinham sido feitos e que não havia mais dinheiro algum. Ficou louco.Imediatamente brigou com todos os sócios, despediu todo o escritório, cancelou todos os shows e demitiu a banda inteira. Ficou louco. Em vez de falar com um advogado, fazer uma auditoria e abrir um processo, confiando em sua popularidade e sua malandragem, chamou um amigo policial para dar um aperto no contador e saber onde tinha ido parar o dinheiro. Depois o levaram como testemunha para a delegacia, onde Simonal foi registrar queixa contra os seus sócios e administradores.Mas a manobra bombou: ajudado pelos sócios que Simonal acusava, quem deu queixa foi o contador e foi aberto um processo contra Simonal, por seqüestro, agressão e coação. O caso foi para os jornais, as notícias eram estarrecedoras. Diziam que Simonal tinha amigos policiais, e pior, no DOPS, o órgão central de repressão política; que Simonal tinha seqüestrado o contador e tinha uma carteira da polícia, que Simonal era dedo-duro. O escândalo explodiu, cresceu, ganhou versões e interpretações, pegou fogo.No clima de paranóia geral, numa hora em que, mesmo sob tortura, muitos não entregavam seus companheiros, a delação era o pior crime. E estavam dizendo que Simonal era dedo-duro. Era o que de pior poderia lhe acontecer. Simonal tinha adversários poderosos nos negócios, a antipatia de boa parte da imprensa e da esquerda, que o consideravam um instrumento da ditadura, um símbolo do Brasil do ufanismo militar. Na melhor das hipóteses, era considerado um alienado, um ”inocente útil”.Nesse tempo de guerra, só ser acusado de dedo-duro, mesmo sem provas, já era o suficiente para destruir qualquer reputação. A acusação em si era tão grave que já era uma condenação: todos os desmentidos eram insuficientes e inúteis.Se era ou não, nunca se soube ao certo. Mas, por todos os motivos, não fazia o menor sentido ser.Simonal era uma estrela, uma figura pública, não tinha exatamente o perfil de alguém que fosse espionar — para depois entregar — seus colegas. Simonal não tinha nenhum acesso nem merecia qualquer confiança — muito pelo contrário — dos grupos musicais mais sérios e politizados. Simonal não entendia nada de política e nem de conspiração, entendia de pilantragem, louras e carrões. E tinha péssimas amizades, à sua volta circulavam aproveitadores e malandros, perfeitos exemplares do recém-cunhado termo ”aspone”, assessor de porra nenhuma.E pior, quanto mais sucesso fazia, mais arrogante se tornava, mais vaidoso, mais auto-suficiente, e mais gente tinha à sua volta.
Simonal se gabava de ser 'dedo-duro', diz Paulo Vanzolini
O compositor Paulo Vanzolini afirmou à TV Estadão que o músico Wilson Simonal ''se gabava de ser dedo-duro'' da ditadura. ''Ele era o maior dedo-duro mesmo. Não só era como se gabava de ser. O depoimento foi dado em entrevista ao crítico Luiz Carlos Merten e ao diretor Ricardo Dias.
“Na frente de muitos amigos, (Simonal) dizia: ‘Eu entreguei muita gente boa'”, acusa Vanzolini, que critica o documentário Simonal — Ninguém Sabe o Duro Que Dei, lançado recentemente. ''Essa recuperação que estão fazendo do Simonal é falsa. Ele era dedo-duro mesmo'', completou.
Pouco antes de morrer, aos 62 anos, doente, magoado e esquecido, Wilson Simonal (1938- 2000) dizia que ainda sonhava com o reconhecimento em vida por suas qualidades artísticas — mas já era tarde demais. O que ficou mais forte na memória do público que não o viu cantar foi a controvertida imagem de delator.
O contador Raphael Viviani foi o pivô do episódio que marcou a queda vertiginosa de Simonal — um ídolo que, no auge do sucesso, concorria em popularidade com Roberto Carlos. Acusado pelo cantor de tê-lo desfalcado, Viviani foi demitido e moveu uma ação trabalhista contra Simonal.
O troco veio em forma de tortura, praticada, entre outros, por um segurança do cantor (como ele mesmo revelou) ligado ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Processado por mais esse episódio, Simonal levou como testemunha aquele mesmo policial, Mário Borges, que o apontou como colaborador do Dops. Depois disso, o ídolo desmoronou.
A bola de neve foi aumentando à medida que órgãos de imprensa, como O Pasquim, aceitaram tal informação e começaram uma caça às bruxas contra o artista. Simonal, então, perdeu prestígio e amigos, além de ter sido perseguido pelo resto da vida.
A surra dada em Viviani rendeu ao cantor, em 1972 uma condenação a mais de cinco anos de prisão, que cumpriu em liberdade. Foi somente em 2003 que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o reabilitou simbolicamente, após uma investigação do caso, a pedido da família.
Um documento da Secretaria Nacional de Direitos Humanos revelou que não havia nenhuma prova contra Simonal. Mas já era tarde demais — o cantor morrera havia três anos.
URARIANO MOTA
Observem que:
1. O cantor "teria mandado bater no contador". Teria, em lugar de Mandou.
2. "...o homem vai parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, hoje extinto), onde é torturado". Por acidente, ele foi parar no Dops.
3. "...o documentário reescreve a saga de Simonal para que, conhecendo finalmente sua história, o Brasil possa absolvê-lo de coisas que talvez ele nem sequer tenha feito." Absolvê-lo... Não demora, a família entrará com processo na Anistia.
Por falar em Anistia, artigo no Jornal do Commercio, do Recife, é mais explícito:
"A chance de anistia de Simonal - Filme conta história de cantor que morreu com fama de dedo-duro, mas foi mesmo uma vítima da intransigência ".
No UAI, de Minas, a reabilitação continua:
"Nos dias de hoje, a maioria das pessoas que conhecem o assunto acredita na tese de que Wilson Simonal foi derrubado por uma rede de boatos, somada a preconceitos raciais e sociais que levavam, em muitos grupos, a um estado de desconforto frente ao sucesso do cantor. Simonal pende nitidamente para este lado."
No JB, do Rio, o mesmo samba:
"Com um design e produção impecáveis, o trio de diretores Cláudio Manuel, Micael Langer e Calvito Leal tenta também trazer à tona a perseguição que o cantor sofreu, após a suspeita de que ele estava a serviço do Dops, na época da ditadura. Recheado de entrevistas, o filme tem o mérito de ser, em grande parte, imparcial. Mas faltam depoimentos e nomes de artistas que efetivamente promoveram o boicote...
Numa montagem esperta, o papel de bicho-papão ficou só com os jornalistas do Pasquim que participam do filme: Sérgio Cabral, Ziraldo e Jaguar. Este último, em destaque, é colocado pela edição nos momentos antagônicos, em contraponto a considerações positivas sobre o cantor. Seria alguma forma de revanche? O público é quem decide. "
Em O Globo, entre outras louvações, transcrevem-se as palavras de Nelson Motta, "Simonal virou um tabu, um leproso, um pária..." Mas o modo mais parcial vem do Guia da Semana, de São Paulo, em editorial(!):
"No início da década de 70, Simonal percebeu que estava sendo roubado por seu contador. De pavio curto, o cantor contratou um grupo para dar uma surra no traidor. Porém, o episódio envolveu agentes do Dops, e o obscuro fato fez com que se espalhasse a notícia de que o músico era informante do regime militar. Sem provas contra ou a favor do artista, Simonal foi condenado ao ostracismo, morrendo como um desconhecido em 2000."
Parece ter desaparecido no espaço o texto de Mário Magalhães, quando era ombudsman na Folha de São Paulo, em 30 de março de 2008:
"A verdade: em 1974, Simonal foi condenado por surra dada em um contador. No processo, levou como testemunha sua um detetive do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara. Ele assegurou que o cantor era informante do Dops.
Outra testemunha de defesa, um oficial do Primeiro Exército, jurou que o réu colaborava com a unidade. O juiz sentenciou: Simonal era ‘colaborador das Forças Armadas e informante do Dops’. Em 1976, acórdão do Tribunal de Justiça do RJ reafirmou a condição de ‘colaborador do Dops’.
Não foram inimigos que inventaram a parceria com o regime, exposta sem reservas pelos amigos de Simonal, que se dizia ameaçado por gente ligada ‘a ações subversivas’ ".
Pelo andar da carruagem, não demora, vão fazer um documentário que absolva o cabo anselmo. Com a repercussão em uma só nota de toda a imprensa. Como agora, no filme desta semana: Simonal, a reabilitação.
No vídeo abaixo, há "testemunhos"de "isentos como Pelé, Chico Anísio, HEBE CAMARGO et caterva...
http://www.youtube.com/watch?v=rxnNvWLE9pI
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