terça-feira, 15 de junho de 2010

Folha publicou o "dossiê" de EJ em 2001

São Paulo, quarta-feira, 06 de junho de 2001



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INVESTIGAÇÃO

Documento da Receita fala em "indícios de montagem", "atos nebulosos" e "falta de contabilização de dados relevantes"

Relatório aponta "divergências" em IR de EJ

DAVID FRIEDLANDER
DA REPORTAGEM LOCAL

Um relatório sigiloso, que circulou entre autoridades do governo, afirma que há uma série de "divergências, atos nebulosos e falta de contabilização de dados relevantes" nas declarações de renda de Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência da República.
O documento, preparado pela delegacia da Receita Federal em Brasília, relata cerca de oito meses de uma investigação iniciada em agosto de 2000, sobre a evolução patrimonial do ex-secretário depois de sua saída do governo.
É a primeira vez que se descobre um documento do próprio governo que coloca em dúvida os negócios particulares de EJ. Desde que ele começou a ser investigado, por possibilidade de enriquecimento ilícito, apenas procuradores federais e políticos de oposição tinham questionado a conduta do ex-secretário.
De 1998 para 1999, de acordo com o relatório, o patrimônio pessoal do ex-secretário saltou de R$ 964,4 mil para pouco mais de R$ 2 milhões. Isso significa que, em apenas 12 meses, o patrimônio de EJ mais do que dobrou, com um acréscimo de R$ 1,03 milhão.
O documento não faz acusações específicas, mas fala em informações que não batem e em "indícios de montagem", tudo na declaração de 1999. Leia, a seguir, as principais dúvidas.
1) Em sua declaração de renda, Eduardo Jorge afirma ter recebido um empréstimo de R$ 200 mil de uma empresa chamada Blue Chip. Só que o que ele chamou de empréstimo, de acordo com a fiscalização, é uma promessa de crédito futuro. A operação, aliás, acabou não se concretizando. Como as informações não batem, os fiscais querem investigar melhor para ter certeza de onde vieram os R$ 200 mil declarados como empréstimo da Blue Chip.
2) Em abril de 1999, EJ recebeu como doação, segundo a declaração de renda, 10% do capital social das empresas Metacor Administração e Corretagem de Seguros Ltda. e Metaplan Consultoria e Planejamento Ltda. O doador foi Ivan Carlos Aragão e as participações recebidas por doação foram contabilizadas por R$ 153,7 mil. O Fisco geralmente desconfia quando o contribuinte afirma ter recebido ações de uma empresa de presente, principalmente quando o doador não é parente. Muitas vez a doação é usada como fachada para dinheiro que tem outra origem.
3) Entre novembro e dezembro de 1999, Eduardo Jorge recebeu R$ 353 mil como distribuição de lucro da Metaplan. O relatório afirma que não dá para ter certeza de que a receita da Metaplan veio de sua atividade original.
4) Outro ponto que chama a atenção é que, no ano em que EJ entrou na Metaplan, o lucro da empresa foi de pouco mais de R$ 4 milhões, resultado 240% superior ao de 1998.
4) Descobrir que a participação de um contribuinte no lucro de uma empresa é maior do que sua participação acionária é outra situação que costuma intrigar auditores fiscais. E foi isso o que aconteceu com a L.C. Faria Consultores e Associados. Eduardo Jorge tinha apenas 1% da empresa, mas recebeu R$ 125 mil em lucros e dividendos, ou 74% do total distribuído entre os acionistas.
4) Em março de 1999, houve um depósito de R$ 140 mil numa das contas de Eduardo Jorge. Ele disse que era o pagamento por um apartamento que vendeu em Brasília. A informação não bate com os registros de cartório. A escritura de venda foi feita em dezembro de 1999, nove meses depois do depósito, e o valor atribuído à transação é diferente: R$ 180 mil.

Resumo
O relatório da delegacia da Receita em Brasília é um resumo do que a fiscalização tinha encontrado até abril, já que a auditoria ainda não acabou. O documento é uma prestação de contas feita pelos auditores que cuidam do caso a pedido de seus chefes.
O Palácio do Planalto acompanha essa investigação com máxima atenção. Há pouco mais de um mês, a cúpula do governo e dois procuradores federais de Brasília trocaram acusações de coação durante a investigação.
Na versão do governo, os procuradores Luiz Francisco de Souza e Alexandre Camanho teriam interrogado "à força" os dois auditores fiscais encarregados do caso e o delegado da Receita em Brasília. Convidados a prestar esclarecimentos no prédio do Ministério Público em Brasília, os três teriam sido pegos de surpresa com depoimentos formais.
De acordo com os procuradores, quem tentou intimidar foi o governo. O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, e o advogado-geral da União, Gilmar Mendes, confirmaram ter ligado para o Ministério Público, mas para "salvar" os agentes fiscais. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, também teria ligado.
Eduardo Jorge, que acaba de se tornar conselheiro fiscal do PSDB, sempre esteve no centro dos acontecimentos do governo e do partido de Fernando Henrique Cardoso. Não aparecia para a platéia, mas era o braço direito do presidente.
Não tinha uma área de atuação específica no governo, mas influía em várias delas. Foi coordenador da campanha de reeleição de FHC, acompanhava de muito perto a área estatal de seguros e tinha os fundos de pensão de empresas públicas na mão.



Clique aqui para conferir várias matérias publicadas pela Folha, usando inclusive o tal dossiê a que ela se refere agora.

O link tem matéria do Josias de Souza, de 28/09/2003

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