A Veja nossa de cada dia
Uma das grandes chatices da reta final do processo eleitoral brasileiro é esperar o escândalo semanal com o qual a Veja tenta derrubar o candidato do PT. Tudo indica que esse processo, que vem se repetindo com tediosa previsibilidade, está prestes a chegar ao fim de sua vida útil. Não por “censura” ou qualquer outra coisa do tipo, mas por pura ineficiência mesmo. Lá pelas priscas eras de 2006, funcionava mais ou menos assim: a Veja lançava o lamaçal de acusações. O Jornal Nacional repercutia, martelando o assunto durante dois ou três dias. Crise generalizada. Os petistas começavam a juntar papeis e lançar notas para desmentir as acusações, coisa nem sempre fácil de ser feita, posto que provar a não-existência de algo para alguém que sequer chegou perto de oferecer indícios de sua existência é um exercício que se aproxima muito mais da metafísica do que da política. Depois do escândalo na Veja e no JN, a Folha, o Globo e o Estadão passavam a “investigar” o balão de ensaios, e toda a política brasileira ficava refém da ladainha durante algumas semanas. O jogo se esgotava, só para ser reiniciado com outra “denúncia”, que repetia de novo o mesmo ciclo. É o que foi tentado este ano, com a modorrenta história da quebra do sigilo de Verônica Serra. Apesar de não ouvirmos falar de outra coisa durante semanas, a ópera bufa não alterou em nada as intenções de voto em Dilma. Agora, é Serra quem não quer que se investigue o caso.
Por outro lado, quando alguém faz jornalismo real mostrando quem realizou e como realizou a violação da privacidade de sessenta milhões de brasileiros, esses mesmos veículos de comunicação se calam, não dando sequer uma linha sobre o assunto.
Nas eleições de 2006—e os arquivos do Biscoito estão aí, para quem quiser ver--, a oposição apostou todas as suas fichas nesse jogo. Em coordenação com Gilmar Mendes e a mídia, ela passou semanas martelando a tese de um grampo que jamais ninguém ouviu e de cuja existência a investigação da Polícia Federal não encontrou nenhum indício. Mesmo assim, preciosas laudas que poderiam ter sido dedicadas a discutir política externa, saúde ou educação foram perdidas repercutindo a suspeita indignação de Gilmar Mendes acerca de um grampo que tinha tanta materialidade como a Libertadores vencida pelo Corinthians.
Se a oposição quer mesmo entender por que vai levar uma surra nas urnas, deveria começar por aqui: o joguinho morreu. Acabou. Ele não funcionou. Em primeiro lugar, porque as pessoas não são burras, e não vão votar contra o governo que multiplicou o seu poder aquisitivo e melhorou significativamente sua autoestima só porque uma revista lança um monte de acusações desconexas, sem qualquer relação com jornalismo de verdade. Em segundo lugar, porque resta no Brasil um único conglomerado máfio-midiático de poder manipulatório real, e redes de televisão como a TV Globo não rasgam dinheiro. Ontem, um episódio bem interessante ilustrou a diferença entre a situação atual e a de 2006.
A Veja lançou uma bateria de acusações à sucessora de Dilma Rousseff na Casa Civil, Erenice Guerra. As acusações eram gravíssimas, e vinham desacompanhadas, como costuma ser o caso, de fundamentação jornalística. Erenice imediatamente soltou nota contundente de protesto, colocando seus sigilos fiscal, bancário e telefônico à disposição das autoridades. Não demorou para que o próprio empresário citado na matéria como o acusador (atenção: o suposto acusador, não o acusado) emitisse comunicado desmentindo a revista e dizendo que não era nada daquilo. Pipocavam na internet notícias sobre matérias falsas feitas pelo mesmo jornalista (valeu, Cloaca) e às 19 horas, segundo fontes deste atleticano blog, a corja do Jornal Nacional discutia se repercutia ou não a matéria da Veja.
Não repercutiram. O fato, me parece, é bastante significativo. Todos se lembram de como foram conduzidas as entrevistas com os candidatos à Presidência da República. O Jornal Nacional não é exatamente um espaço simpático a Dilma Rousseff. Mas o lixo lançado pela Veja era tão pouco fundamentado que nem mesmo na escolinha Ali Kamel ele emplacou nota suficiente para passar.
Antes da revista chegar às bancas, ela já está desmoralizada.
É uma nova etapa, mais decadente, da fábrica de factoides. Este post, mais que chegar a essa óbvia constatação, serve simplesmente como prólogo para recomendar a leitura de um texto que eu considero uma das melhores coisas já escritas na internet brasileira. O Celso de Barros pegou o lixo da Veja e mostrou como se fazem diamantes com esterco. Antes de comentar aqui, portanto, vá lá no Celso ler esta pérola e tenha convulsões de gargalhadas eruditas.
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