quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Não levantarás falso Testemunho -

 

O Culto Ecumênico de 31 de outubro

 

 

O ato político religioso, após a retirada das tropas na Praça da Sé e a volta para a casa, transformou as escadarias da Catedral numa verdadeira sublimação. Os abraços emocionados entre amigos, muitos deles que mal haviam saído da prisão; o reatamento de amizades, corroídas pela luta política na clandestinidade; além dos pros e contras da luta armada, como a resistência ao Regime, encurtavam espaço a uma aliança de paz para combater a guerra promovida pelo status quo. Infelizmente, aquele não era o último capítulo de uma guerra desproporcional. Em contrapartida, um dos maiores instrumentos que a população de todas as religiões possuía era a união de todos os homens de bem. O Dia de Finados a seguir foi cercado de grande expectativa, e esta mobilização seguiu-se por semanas, meses, e anos a fio. Mais um ainda viria a morrer, em circunstâncias iguais àquela de Vlado, o também comunista e operário, Manuel Fiel Filho. Prova insofismável de que o Regime não distinguia quem ousasse pegar em armas, contra os militares ou não. Em nenhum momento o jornalista e o operário defenderam tal escolha, como forma de se fazer a Revolução. Aquele 31 de outubro de 1975 não era o capítulo final de um livro sórdido, mas o prefácio de uma longa jornada épica com lances dramáticos.

 

Mas, o que isso tudo têm a ver com os nossos dias? É de se espantar que o quadro histórico e social em que vivemos, ainda permita uma campanha envolvendo a devastação da vida pessoal de uns e outros. Falamos especificamente da candidata à Presidência a República, que lutou contra um Regime sabidamente violento e condenado pelo censo comum. No terreno dos crimes políticos que teria cometido, além de já ter sido julgada, condenada, e cumprido pena ainda no mesmo Regime, a menos de quatro anos após (1979) readquiriu todos os seus direitos civis e políticos através da Lei de Anistia. Pela Lei dos homens ela está livre de processo e, como qualquer cidadã ou cidadão brasileiro, está livre para pleitear cargo público. Quanto à sua fé, existe algum credo mais legítimo do que aquele que a faz lutar por direitos iguais para todos os cidadãos? Ao longo de décadas este foi tema recorrente da maior Entidade no Brasil, e que congrega a fé católica - a CNBB. Quais foram, afinal, os religiosos que saíram em socorro para acolher os feridos, e esconder perseguidos, ao longo dos piores anos de terror? Os sacerdotes cristãos e católicos! É do final da década de sessenta a expressão – “A igreja que anda a pé”, que virou livro e quase um guia para os religiosos do período.

 

Dentre os opositores do Regime, formou-se um grupo de jovens, universitários, que evoluiu de uma luta evangélica para a política e, depois, a opção pelas armas. Muitos desses jovens se alistaram, entre eles, o irmão do Pastor, Jaime Nelson Wright, e também o candidato, hoje disputando a presidência. O extraordinário dessa manifestação nefasta do presente é que entre as vítimas do período de exceção, está uma nossa amiga, líder da organização católica da época (Ação Popular), que seguramente foi uma das mulheres mais barbaramente torturada, quer seja nas dependências do DOI-CODI aonde veio a morrer Vladimir Herzog, ou mesmo na prisão onde também esteve cumprindo pena, a candidata atacada por esta onda infame nos dias atuais. Já nem importa tanto de que lado esteja, hoje, os três personagens que nos interessa neste segundo texto sobre o 31 de Outubro, e, sim, onde estavam quando o jornalista foi morto? A candidata que recentemente havia retornado à vida pública foi morar em outra cidade na tentativa de reorganizar a sua vida, trabalhando como estagiária de Economia, já com a sua única filha no ventre (nascida em março de 1976); a minha amiga vivendo no exterior, em exílio forçado (Peru, Equador, Cuba e, depois, Europa); enquanto o candidato opositor, mesmo sem ter sido preso, reorganizava a sua vida fora do país, em exílio voluntário.

 

É dessa minha amiga a observação mais emblemática, quando no início de 2003, trabalhávamos numa matéria sobre o seu calvário, para uma publicação patrocinada pela arquidiocese de São Paulo, e ela fez uma pergunta surpreendente: “A Operação Condor existiu mesmo”? Por alguns minutos, dias até, ficamos impactados e desconcertados com esta pergunta, e só o tempo veio esclarecer que o inimaginável ocorrera com a nossa querida amiga, mesmo sendo uma das maiores vítimas da história política nos duros anos de 60 e 70, e tendo participado ativamente da resistência em toda a América Latina, desconhecia detalhes importantes da origem das forças e instrumentos sórdidos que mancharam de sangue a nossa história. Hoje, a Operação Condor está academicamente estudada, o suficiente para esclarecer que o episódio Herzog era foi mais um esquema programado nesse roteiro macabro e que, felizmente, conseguimos vencer. A pergunta que fica é de onde vêm tantas manifestações de covardia, como essas que pipocam aqui e ali nos dias de hoje e no Brasil. De novo a pergunta, qual o caráter que daremos a este 31 de Outubro de 2010?

 

Jair Alves – dramaturgo – São Paulo

 

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 NÃO MATARÁS - CULTO ECUMÊNICO DE 31 DE OUTUBRO

 

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