Conversei ontem (4) com o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas Francisco Fonseca. O assunto: o segundo turno e o fator Marina Silva. Gravei com ele uma entrevista para o “Jornal da Record”. Mas, na TV, ainda mais em matérias rápidas feitas para o mesmo dia, aproveitamos sempre trechos muito pequenos de entrevistas que, muitas vezes, são riquíssimas. Então, descrevo aqui a análise de Francisco sobre a eleição.
Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador
1) A votação de Marina não foi assim tão “surpreendente”; segundo ele, só surpreendeu porque jornalistas e analistas, no Brasil, tem o hábito de transformar pesquisa em oráculo; pesquisas, segundo ele, erram muito porque não apreendem movimentos menos aparentes, e não captam a cristalização dos votos que, no Brasil, se dá (em amplos setores) somente 24 horas antes da eleição.
2) O professor lembra que em países como a França existem restrições à divulgação das pesquisas nos últimos dias da campanha (no Brasil, e aí sou eu que digo, as restrições vem só de candidatos como Richinha, agora eleito, e que barrou várias pesquisas no Paraná).
3) Francisco Fonseca acha que a imprensa está sobrevalorizando o papel de Marina Silva no segundo turno. O eleitorado de Marina é muito heterogêneo: ela teve apoio de jovens ambientalistas, de gente mais à esquerda descepcionada com o PT, e na reta final ganhou também muitos votos conservadores — de quem se deixou levar por esse tema do aborto. Por isso, diz o professor, “os votos de Marina devem se dispersar em três segmentos: uma parte vai para brancos e nulos (é o povo da terceira via, mais jovem, que realmente não quer PT nem PSDB), outra parte vai para o Serra e outra ainda para a Dilma”.
4) “Ainda que esses votos sigam numa proporção maior para Serra, não seriam suficientes para que o candidato tucano virasse a eleição”.
5) Perguntei ao professor se Serra não poderia tirar votos da própria Dilma, ou seja: se a petista não poderia continuar “sangrando”. Ele disse que, historicamente, é muito difícil reduzir os votos de um candidato entre o primeiro e o segundo turno. “O que aconteceu com Alckmin em 2006 foi uma anomalia, e ainda assim ele teve uma redução muito pequena. Serra precisaria ganhar muitos leitores de Dilma, e ainda conquistar três quartos do eleitorado de Marina, acho muito difícil que isso aconteça.
Bem, essa é a análise do professor Francisco.
Agora, os números.
Dilma ficou a 3,1% da vitória em primeiro turno. Teve 46,9%. Em números de votos: 47,6 milhões de votos, num total de 101 milhões de votos válidos.
Ela precisa conter a sangria vinda dos boatos religiosos. Se essa contenção for bem-sucedida, bastaria a Dilma conquistar mais 3 milhões de votos para vencer.
Pesquisas mostram que o eleitorado de Marina estaria dividido sobre o segundo turno: cerca de 50% preferem Serra (principalmente
Ou seja: dos 20 milhões de votos que foram para Marina no primeiro turno, Dilma poderia ter cerca de 6 milhões de votos. Há que se levar em conta ainda 1 milhão de votos dados para a esquerda (Plinio e outros). Esse colchão de 7 milhões de votos levaria Dilma para perto de 54 milhões de votos.
Serra, que teve 33 milhões de votos no primeiro turno, poderia chegar a 43 milhões se conquistasse mesmo metade do eleitorado de Marina. A dúvida é: Serra será capaz de convencer também os marinistas que não querem saber de tucanos e petistas (cerca de 4 milhões, ou 20% do eleitorado de Marina no primeiro turno)? Se conseguir trazer esse votos, ele se aproximaria mais de Dilma, ainda que a candidata do PT siga como favorita.
Na melhor das hipóteses para Serra, o jogo do segundo turno começaria assim:
— Dilma: 54 milhões de votos (cerca de 54% dos validos)
— Serra: 46 milhões de votos (cerca de 46% dos válidos).
As primeiras pesquisas devem mostrar mais ou menos esse quadro, talvez com Serra mais perto dos 40%.
Qual a estratégia possível para Serra? Conquistar o máximo que puder dos eleitores de Marina, e ainda sangrar Dilma (especialmente nos setores populares e na classe C — mais suscetível, ao que parece, à boataria religiosa). Como faria isso? Aprofundando o terrorismo religioso, aumentando as dúvidas sobre Dilma.
O problema para Serra é que, se fizer isso, ele pode perder eleitores da classe média urbana – que votou em Marina mas que não apoia o fundamentalismo religioso. Se caminhar muito pra direita, Serra perde o voto de “centro” que votou em Marina, e que poderia virar voto nulo.
A saída para Serra: terceirizar o terrorismo e posar de bonzinho nos debates. Deve ser esse o caminho dele. Pode dar certo? No limite, até pode. Mas é muito difícil.
E Dilma?
Dilma só não pode errar muito. Errar é demorar para captar os boatos e as imagens que se disseminam pela internet e pelas ruas (o comando da campanha não deu atenção devida a esse fator no primeiro turno). Errar é começar o segundo turno cercada de políticos pesos pesados do Brasil inteiro, mas na hora de falar para o público ter à mão um microfone que não funciona. Ninguém entendia o que Dilma falava! Errar, por fim, é dar entrevista para o JN mal maquiada, mal ajambrada e cansada – como Dilma fez ontem.
O resumo da ópera é o seguinte: Dilma segue como franca favorita. O bombardeio midiático tirou um pouco de votos, mas isso não foi o importante. O grave foi que a campanha terrorista (e menosprezada pelo comando lulista, apesar do que dizíamos aqui nos blogs) religiosa conseguiu levantar dúvidas sobre o perfil pessoal da candidata. Isso é um fato.
Serra obteve do eleitorado o benefício da dúvida — ainda que usando métodos horríveis, e contando com a ajuda de Marina e com a falta de reação do PT.
Apesar disso tudo, Dilma tem Lula. Lula é a vitória. Lula precisa aparecer mais. A comparação de Lula com FHC é fatal para Serra. E foi pouco usada no primeiro turno. Lula só não pode ser professoral, e dizer “eu sei o que é melhor pra vocês, votem na Dilma”. Não pode dizer que partido da oposição “precisa ser extirpado”. Não. Ninguém quer oposição extirpada. Dilma e Lula podem (e devem, na opinião desse humilde blogueiro) derrotar a oposição. Mas não extirpá-la.
Lula precisa convencer, com humildade, o eleitorado que tem enorme simpatia por ele. Brasileiro gosta de humildade associada à firmeza; Lula sabe muito bem como fazer isso.
O PT só não pode achar que já ganhou, nem menosprezar adversário – como digo aqui há três meses. Isso deu no “Maracanazo” em 1950. Derrota de Dilma nessa eleição só ocorre se houver um Maracanazo” – uma pane geral na campanha.
Tudo conspira a favor de Dilma, apesar dos erros cometidos na reta final do primeiro turno. E não vejo do lado tucano um Giggia avançando pela ponta direita pra marcar
Nenhum comentário:
Postar um comentário