quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Veto de Serra a projeto sobre áreas de risco pode ser derrubado

Deputados estaduais de São Paulo articulam a derrubada do veto do governador José Serra (PSDB-SP) a projeto de lei que prevê o mapeamento de áreas de risco. Aprovado em 2008 por unanimidade, o texto da deputada Ana do Carmo (PT) dispõe sobre as medidas a serem tomadas para evitar tragédias em regiões sujeitas a inundações, deslizamentos e acidentes tecnológicos, como vazamentos e explosões.

Só na capital do estado, há pelo menos 105 mil moradias em áreas de risco, segundo levantamento divulgado na segunda-feira (21) pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

A autora da proposta acredita que os recentes acontecimentos em São Paulo e, principalmente, as centenas de mortes em áreas de risco no Rio de Janeiro não deixam dúvidas quanto à necessidade de implementação do previsto no Projeto de Lei 213, de 2007, aprovado no ano seguinte. “Os deputados que vão continuar na Casa foram muito sensíveis a este projeto. Algumas resistências que havia, principalmente porque Serra proibia seus deputados de derrubarem vetos do Executivo, deixaram de existir. Estamos muito esperançosos.” A ideia é aproveitar o início da nova legislatura, em 15 de março, para voltar a debater o tema, que tem apoio de outros parlamentares.

O consultor ambiental e geógrafo Márcio Ackermann, um dos idealizadores do PL 213, acredita que, caso o Executivo não tivesse vetado o texto, seriam evitados problemas como os vistos em 2010 em São Luiz do Paraitinga e neste ano em Mauá – no último caso, com seis mortes. “É lamentável Serra ter vetado isto. Poderia ter evitado vários riscos e poderia estar em desenvolvimento uma política pública que tem se mostrado necessária – e as tragédias têm mostrado ser necessária.”

O texto de Ana do Carmo prevê que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), autarquia estadual dotada de algumas das mais avançadas técnicas de mapeamento de áreas de risco, faça o levantamento nos municípios em que se mostre necessário o trabalho. Uma vez feito o mapeamento, município e governo estadual deveriam planejar obras que eliminassem a possibilidade de deslizamento ou inundação. Em casos extremos, seria necessário proceder à demolição de moradias, desde que os moradores fossem incluídos em programas de reassentamento habitacional.

Eduardo Soares de Macedo, geólogo do IPT, aponta que o mapeamento das áreas de risco de uma cidade é fundamental para delinear as políticas públicas a partir de fatores como solo, vegetação, inclinação do terreno e pluviosidade. Santos e Belo Horizonte, indica Macedo, têm trabalhos antigos que surtiram efeito positivo na redução de acidentes do tipo. No fim do ano passado, o IPT concluiu o mapeamento da cidade de São Paulo, que mostra que há 134 mil famílias vivendo em 407 áreas de risco. “É importante porque o mapeamento parte de uma questão filosófica, que é conhecer o problema. Precisa saber qual problema tem na mão para propor soluções. Não tem saída para isso.”

Executivo ou Legislativo

Exatamente pela importância do assunto, o projeto passou sem qualquer dificuldade pelas comissões e pelo plenário. Recebeu pareceres positivos quanto à constitucionalidade, à execução orçamentária e à importância ambiental. Neste último caso, a Comissão de Defesa do Meio Ambiente designou como relator o deputado Vinícius Camarinha (PSB), que anotou que o projeto tinha relevância não apenas por garantir a segurança de habitantes de assentamentos irregulares, “mas também proteger áreas de preservação permanente e de proteção de mananciais.”

O parlamentar é um dos que continuarão na Assembleia na próxima legislatura. Em conversa com a Rede Brasil Atual, ele relembra que a necessidade de proteger áreas de risco era consenso entre os colegas durante a aprovação do projeto e que o veto de Serra em maio de 2008 fugiu ao programado. “Não entendi. Não esperava que fosse vetar. Foi uma surpresa.”

Em sua argumentação, o ex-governador apresenta como motivos para barrar o texto inconstitucionalidade, incompatibilidade financeira e problemas técnicos. O tucano despende nada menos que cinco parágrafos para dizer que o Legislativo não deve tratar de “temas administrativos” do Executivo.

“A decisão sobre adotar, e em que momento, medidas dessa espécie é reservada ao Chefe do Poder Executivo, como corolário do exercício da competência que lhe é deferida pela ordem constitucional”, defende Serra, que acrescenta haver uma indefinição quanto às partes envolvidas nos trabalhos e um significativo volume de recursos envolvidos. Por fim, ele relata que as secretarias de Meio Ambiente, Habitação e Saneamento e Energia se colocaram contra o projeto após análise técnica.

“Relevante e interessante”

A argumentação levanta dúvidas, especialmente em relação à pasta de Meio Ambiente, então comandada por Xico Graziano. Em artigo para o jornal O Estado de S. Paulo publicado em janeiro deste ano, o ex-secretário defendeu que apenas o trabalho de prevenção evitará a repetição das tragédias vistas neste começo de ano. “Uma lei, urgente, deveria obrigar os municípios a realizar o plano decenal, a favor da ocupação ordenada do seu território.”

Procurado, para confirmar se havia dado parecer desfavorável ao PL 213, como expõe o veto de Serra, Graziano preferiu que as perguntas fossem encaminhadas por email. Em sua resposta, pontuou que o assunto é “relevante e interessante. Mas eu não gostaria agora de entrar muito nessa matéria por envolver questões políticas.”

Quando foi encaminhado de volta à Assembleia Legislativa, o projeto ganhou como relator o então deputado Mário Reali (PT), atualmente prefeito de Diadema e eleito no início do ano presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Em seu relatório, Reali discordava da análise de Serra de que o legislador não pode dispor sobre esse tipo de matéria e acrescentava que o texto não cria novas despesas, já que há vários programas da Administração Pública Estadual relativos a esse tipo de problema previstos no Orçamento anual.

Ana do Carmo lembra ainda que não há qualquer dúvida quanto aos responsáveis por cada parte do trabalho, já que o projeto cita claramente a Secretaria Estadual de Desenvolvimento e o IPT como coordenadores do mapeamento das áreas de risco. “Não tem argumentação nenhuma. Vetou simplesmente por vetar, e o pior é que não colocou nenhuma proposta no lugar”.

“Esse projeto não é inconstitucional. O Legislativo pode atuar nessa área oferecendo levantamento sobre áreas de risco. O projeto não fala onde é a área de risco, mas que as áreas devem ser mapeadas”, acrescenta o deputado Camarinha.

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