segunda-feira, 16 de maio de 2011

A burguesia não quer pobres na vizinhança

A Constituição assegura o direito de locomoção em todo o território nacional a todos os cidadãos, mas há uma parcela da população que não se conforma e arroga-se direitos especiais: a burguesia brasileira.

A mais recente demonstração desta pretensão descabida foi a pressão de um grupo de moradores do bairro de Higienópolis, em São Paulo, contra a construção de uma estação do metrô ali. É uma parcela da população que se considera detentora de direitos especiais, como se pode concluir da declaração de uma moradora, que perguntou a um repórter: “Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada…” O abaixo assinado que eles promoveram, com quase 3.500 adesões, foi suficiente para levar o governo do Estado a rever o projeto e suspender a construção daquela estação.

Não é a primeira vez que isso ocorre. Desde 2008 moradores de outro bairro nobre paulistano, o Morumbi, pressionam o governo estadual contra a construção de uma linha do metrô, em monotrilho, ligando a região ao aeroporto de Congonhas.

No Rio de Janeiro, na década de 1990, quando o governo começou a construir o complexo formado pelas linhas Amarela e Vermelha, facilitando aos moradores da zona norte, mais pobres, o acesso às áreas nobres da zona sul, houve também opiniões contrárias no mesmo sentido exclusivista.

São pretensões que demonstram como a burguesia brasileira encara sua relação com o povo, a cidade e o poder público. Um primeiro aspecto que chama a atenção é a facilidade com que um governo como o paulista submete-se à pressão dos endinheirados, revelando sua verdadeira natureza de classe. Em relação à cidade e ao povo, a burguesia demonstra a permanência de preconceitos ancestrais, como o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva corretamente apontou:  trata-se do preconceito contra os pobres.

Esta mesma burguesia que exige a manutenção da qualidade urbanística dos bairros onde mora resiste com vigor quando se trata de intervenções do poder público para melhorar a qualidade de vida dos moradores pobres da periferia, e um exemplo disso foi a sórdida campanha contra os Centros Educacionais Unificados (CEU) durante a gestão da prefeita Marta Suplicy, alegando que o custo era muito alto e para aquela população bastavam “escolas mais simples”.

Esta noção de cidade que favorece os ricos e seus lugares de moradia esconde o verdadeiro apartheid não declarado que é um traço mais singular do racismo brasileiro. É uma noção de cidade que designa os lugares de localização geográfica “legítimos” e reconhecidos para cada classe social, demarcando com nitidez os lugares de pobres e de ricos, os lugares de negros e de brancos, e que define as condições “aceitáveis” para a circulação neles. É o correlato, a nível mais geral, da antiga exigência dos edifícios de luxo que só permitiam a funcionários, empregadas domésticas ou negros o uso dos elevadores de serviço.

Existem duas cidades, a dos ricos e a dos pobres, e cada um deve ficar em seu lugar – esta é a mensagem que expõe o caráter ainda profundamente antidemocrático e preconceituoso de grande parte da burguesia brasileira que repete, em sua “modernidade”, comportamentos anacrônicos que os brasileiros já não aceitam, como ficou claro quando outra parcela da população articulou, via internet, uma manifestação sábado (14), em Higienópolis, contra a suspensão da construção da estação do metrô no bairro.

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