Dado a demonstrações de força no governo anterior — como o hábito de divergir publicamente das orientações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva —, o agora ministro da Defesa do governo Dilma, Nelson Jobim, virou o disco. Sua nova tática é aproveitar espaços na imprensa e nos púlpitos para constranger a presidente Dilma Rousseff não com discordâncias explícitas — mas via declarações dúbias, ironias, maledicências, provocações.
Por André Cintra
Ao participar do programa Poder e Política — Entrevista, lançado nesta quarta-feira (27) numa parceria entre Folha de S.Paulo, Folha.com e UOL, o ministro se mostrou à vontade para reiterar que está no governo, mas não tem muito a ver com essa gente. A chamada na capa da Folha de hoje já estabelece a primeira demarcação: “Jobim, ministro de Dilma, revela que votou em Serra em
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Não que seja um segredo de Estado à altura daqueles que Jobim quer esconder da Comissão da Verdade. Seus laços com o tucanato vêm de longa data e foram devidamente renovados em 30 de junho, quando ele participou da festa em homenagem aos 80 anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na ocasião, Jobim comparou o ex-presidente à sua atual chefe, Dilma — “nunca o presidente levantou a voz para ninguém. Nunca criou tensionamento entre aqueles que te assessoravam”.
Quase um mês depois, ao iniciar a entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues no programa on-line do Grupo Folha, Jobim sinalizava uma distensão. A primeira pergunta remetia à comparação: “Olá ministro Nelson Jobim. O senhor foi ministro de três governos sucessivos. Com quem é mais fácil trabalhar: Fernando Henrique, Lula ou Dilma?”.
E Jobim rodeou: “Todos são fáceis de trabalhar. Cada um tem o seu estilo. A questão não é fazer comparações. Se você for fazer comparações, não dá solução e só cria problema. O Fernando [Henrique] tinha um estilo. O Lula tinha outro estilo. A presidente Dilma tem outro estilo. Mas são estilos absolutamente razoáveis. Pelo menos comigo as relações são absolutamente extraordinárias”.
A seguir, na comparação entre sua rotina com FHC, Lula e Dilma, Jobim retoma a busca pela distensão e diz que falava sempre “com os três”. Mas a sequência de sua resposta começa a esclarecer com qual desses líderes o ministro é realmente mais afim:
“Eu tinha uma grande integração com o Fernando [Henrique]. Trabalhei com o Fernando também, na Constituinte. Servi como uma espécie de assessor. Porque era advogado, tinha formação jurídica. Então eu tinha boa relação com o Fernando, tinha uma amizade mais íntima com o Fernando.
Com o presidente Lula a mesma coisa, com menos intimidade. Eu frequentava a casa do Fernando e aquela fazenda que ele tinha aqui perto [de Brasília], aos finais de semana. Com o Lula tinha uma intimidade muito boa, sem nenhuma dificuldade. E a mesma coisa se passa com a presidente Dilma.”
Até que lhe perguntaram
“Em uma reunião de articulação do governo, da qual eu participava, eu levantei o seguinte problema. Eu disse: ‘Olha, presidente [Lula], eu estou com um problema. De um lado, por razões pessoais eu não tenho condições de fazer campanha para a ministra Dilma, uma vez que sou amigo íntimo do Serra. O Serra foi meu padrinho de casamento, eu morei com ele algum tempo aqui
Aí o Lula disse: ‘Olha Jobim, fique fora disso. Eu sei claramente das suas relações com o Serra. Sei que você tem uma amizade íntima com o Serra de muitos anos’. E avisou ao Padilha: ‘Olha, não envolvam o Jobim na campanha’. E eu votei no Serra.”
E o que Dilma teria achado disso? Segundo Jobim, sua própria postura foi a mais irrepreensível. Não só Dilma sabia do serrismo do ministro como até teria lhe atribuído mais respeito por sua heroica sinceridade. A tal ponto que a relação entre eles não azedou depois da eleição.
“Azeda quando você esconde”, ensina Jobim. “Quando você não esconde, quando você é transparente, não tem como azedar. Tem como se resolver. O problema é quando você esconde, fica fazendo dissimulações. Daí dá problema. Eu não costumo fazer dissimulações, então não tenho dificuldades.”
O ministro também flerta com os militares. Embora não chegue ao ponto de praguejar contrariar a Comissão da Verdade, Jobim volta a dizer que, em sua gestão na Defesa, as Forças Armadas foram as primeiras a abrirem os arquivos da ditadura militar (1964-1985) — ou, pelo menos, os documentos sigilosos que ainda perduram. E se proclama como o ministro que, de fato, lutou pelo restabelecimento do direito à verdade.
“Antes mesmo de [eu] entrar no Ministério da Defesa (...), a presidente Dilma era ministra da Casa Civil e tinha determinado criar uma comissão sobre documentos. Ela foi presidente [da comissão]. E enviou ao então ministro, o Zé Alencar, para determinar aos militares a entrega desses documentos. Foram encaminhados aos comandantes de Força os avisos.
A Força Aérea inclusive colocou à disposição alguns documentos que ela havia encontrado nos seus arquivos. Mas o Exército e a Marinha disseram que não havia mais nenhum documento. Haviam sido incinerados há algum tempo.
Depois, essa comissão [presidida por Dilma] determinou que o Ministério da Defesa abrisse um inquérito. Na época, [o ministro] era o Valdir [Pires]. O Valdir acabou atrapalhado com o problema da aviação civil e não tomou providências. Eu tomei providências nesse sentido. Mandei abrir os inquéritos.
Vieram então as respostas das três Forças. A Força Aérea informou que tinha aqueles documentos que tinha posto à disposição. Entregou os documentos. Os demais informaram que os documentos tinham sido incinerados. E, quando eles tinham informado que tinham sido incinerados, a ministra Dilma pediu então que se apresentasse o termo de incineração.
Só que o termo de incineração, pela legislação vigente, exigia que os documentos fossem sigilosos. Eles informaram que não eram sigilosos e que foram incinerados normalmente. (...) Como você não tem formalização do processo de incineração, você não tem como identificar de quem partiu o ato.”
Há um mês, Jobim “comemorou” o desaparecimento de arquivos ultrassecretos e, pouco depois, disse se sentir cercado de “idiotas”. Agora, o ministro que se diz desacostumado a “fazer dissimulações” revela ter sido habitué da fazenda de FHC e do Palácio dos Bandeirantes sob Serra. Com tanta polêmica, votar no “amigo íntimo” em 2010 talvez seja mesmo o episódio menos ruidoso na saga de Nelson Jobim.
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