O dossiê Eduardo Jorge
Força-tarefa de auditores da Receita conclui
investigação e aponta que coordenador de
Geraldo Alckmin criou empresas com “laranjas”
e emitiu notas frias para arrecadar dinheiro
junto a fornecedores do DNER
Geraldo Alckmin criou empresas com “laranjas”
e emitiu notas frias para arrecadar dinheiro
junto a fornecedores do DNER
De volta: mal assumiu a função de coordenadorda campanha do PSDB à Presidência, o ex-ministro Eduardo Jorge vira alvo de acusações de auditores fiscais
Por Hugo Marques
Na manhã da quarta-feira 19, um sorridente Eduardo Jorge Caldas Pereira recebia os políticos e convidados para a inauguração do comitê de campanha do presidenciável Geraldo Alckmin em Brasília. De braços abertos, saudava: “Bem-vindos, bem-vindos!” Ex-secretário-geral da Presidência da República no governo de Fernando Henrique Cardoso, ele agora é um dos coordenadores da campanha de Alckmin. De grand réceptionniste da festa, EJ, como Eduardo Jorge é chamado, sumiu em minutos, antes mesmo da chegada de Alckmin. A mudança de semblante aconteceu após ele ser informado por ISTOÉ do conteúdo de um dossiê feito por uma força-tarefa de auditores da Receita Federal. A documentação está guardada sob o manto do segredo de Justiça, em dois processos que tramitam em Brasília. Ao analisar as contas de Eduardo Jorge, os auditores encontraram doações ao PSDB com recursos oriundos do Erário público, movimentação incompatível com a renda, uso de “laranja”, distribuição fictícia de lucros e “notas fiscais frias”, entre outros crimes. O homem que sobreviveu a alguns dos principais escândalos no governo de FHC – e não foi condenado em nenhum – tentava nesta campanha dar a volta por cima da imagem arranhada. Será difícil. “Vou apresentar documentos à Justiça e mostrar que a história é outra”, promete. Informado sobre os relatórios que o envolvem com os crimes, ele disse que as informações serão dadas posteriormente.
O “Relatório Final”, um dos documentos do dossiê, é a compilação dos crimes. Está anexado a um processo da 3ª Vara da Justiça Federal. O documento é assinado pelos auditores Marco Antonio Macedo Pessoa, Washington Afonso Rodrigues e Vicente Luiz Dalmolim. Os auditores são contundentes ao discorrer sobre “doações ao PSDB com recursos oriundos do Erário”. Eles concluíram que os valores repassados pelas empresas de Eduardo Jorge à campanha da reeleição de FHC em 1998 “tiveram por origem recursos oriundos de órgãos públicos, mormente do DNER”. O DNER é o extinto Departamento Nacional de Estradas e Rodagem, hoje DNIT, responsável pela contratação de empreiteiras e um tradicional foco de corrupção federal. Para concluir que o dinheiro do DNER irrigou a campanha de FHC com R$ 250 mil, os auditores fizeram análise dos contratos de prestação de serviços das empresas de Eduardo Jorge com a seguradora Sul América e dos contratos desta empresa com o DNER, o Ibama, o Ministério do Exército e o Palácio do Planalto. O exame do conjunto de documentos revelou que a origem integral dos lucros gerados pelas empresas Metacor e Metaplan, ambas de EJ, foram os contratos assinados pelo DNER com a Sul América Seguros entre 1993 e 1995. Estes contratos “foram dados em administração” para a Metacor e a Metaplan. Concluíram, desta forma, que EJ seria o responsável pela “captação” de órgãos públicos para fechamento de contratos com o grupo Sul
América.
Eduardo Jorge também está envolvido com um esquema de notas fiscais frias. A partir de uma amostragem, a investigação levantou a situação fiscal dos emitentes de notas fiscais para as empresas de EJ, visitou sedes das firmas e entrevistou seus titulares. Notas fiscais contabilizadas por Metacor e Metaplan como despesas não foram oferecidas pelos emitentes à tributação. A força-tarefa concluiu que houve “planejamento ilícito” para uso de tais simulacros. De oito notas de fornecedores analisadas, cinco não foram declaradas à Receita, duas estão com valores declarados pela metade e outra é de empresa inativa. Os emitentes de notas fiscais declararam à força-tarefa que suas empresas foram constituídas visando fornecer notas para as empresas Metacor e Metaplan. Para isso, eles recebiam “ordens hierárquicas superiores”. As empresas Pap Investimentos e O Comprador só emitiam notas fiscais para a Metacor e a Metaplan. Para os investigadores, estas “empresas de papel” eram parte da trama para fornecer nota fiscal para dar cobertura à saída de recursos e evitar tributação. Além das notas fiscais frias, foram detectadas empresas fantasmas, verdadeiras usinas de produção de notas. Onde deveria funcionar a Monte Castelo Idéias Ltda. foi encontrado um hotel.
A partir de uma análise das correspondências de Eduardo Jorge, a força-tarefa identificou suas “confissões” espontâneas. A Receita fez uma análise das correspondências eletrônicas que EJ trocou com os sócios e concluiu pela existência de montagem de passivo fictício, participação como sócio oculto e uso de “laranja” na empresa VML Corretora de Seguros. Em uma das mensagens sobre a VML, ele pergunta aos sócios: “Não estaria na hora de se formalizar as participações?” Os documentos revelam a saída “forjada” de EJ do quadro social de algumas empresas para fraudar a Fazenda Pública, concluem os investigadores. É movimentação financeira incompatível com a renda declarada. Os auditores encontraram irregularidades nas contas pessoais de EJ. Em 1999, primeiro ano do segundo mandato de FHC, Eduardo Jorge declarou bens no valor de R$ 2 milhões, um aumento de 107% em relação ao ano anterior. Funcionário de carreira do Senado, naquele ano ele movimentou R$ 1,7 milhão em sua conta bancária. É o que atesta a declaração da CPMF apresentada pelo Unibanco à Receita. Os recebimentos que EJ chamou “falsamente” de lucros e dividendos, segundo um dos relatórios, somam R$ 577 mil – foram R$ 352 mil recebidos da Metaplan, R$ 125 mil da LC Farias e R$ 100 mil da EJP. Um dos relatórios conclui que há fortes indícios de que essa soma apresenta sinais de não possuir origem comprovada.
O que poderá complicar ainda mais a vida de Eduardo Jorge são os depoimentos em mãos da força-tarefa. Em setembro, o ex-contador do Grupo Meta, Luiz Eduardo Poças Fonseca, foi à Procuradoria da República no Distrito Federal. Ele ingressou no grupo em 1994, como auxiliar contábil, e saiu como contador em setembro de 2000. Fonseca cuidava pessoalmente da contabilidade da Metacor e da Metaplan. Eduardo Jorge tinha uma sala dois andares abaixo. Despachava protegido por sistema de segurança especial e grades de proteção. Em seu depoimento, o contador revelou que as unidades da Metaplan e da Metacor em Barueri, em São Paulo, foram abertas com o objetivo de pagar menos impostos, “funcionando como empresas de fachada”. Fonseca achava estranho a empresa não ter lucros e mesmo assim a diretoria determinar a distribuição de dinheiro entre os sócios. Revelou ainda que as notas fiscais da empresa Oikos, envolvida com notas fiscais frias, tinham ligação com um tal de Joãosinho, funcionário do grupo que tinha sala dentro do DNER, de onde saía o dinheiro do PSDB. Era a ponta do esquema dentro do serviço público.
O carma de EJ teve início em 12 de agosto do ano passado. A Justiça Federal remeteu ao Ministério Público 125 caixas com documentos custodiados na Corregedoria-Geral da Receita Federal. Foi instaurado um inquérito civil público. A força-tarefa teve acesso também a livros-caixa, correspondências e declarações de bens do ex-ministro e de suas empresas. Os investigadores colheram depoimentos de contadores e personalidades que tiveram negócios com EJ e suas empresas. Como resultado da análise, foram encontrados oito tipos de crimes. A força-tarefa concluiu que somente no ano de 1998 duas das principais empresas do ex-secretário, a Metacor e a Metaplan, omitiram receitas no total de R$ 1,73 milhão. No ano seguinte, concluíram os auditores, houve distribuição de lucros fictícios para EJ. Ele sacou R$ 352 mil das suas empresas sem que elas possuíssem fundos suficientes para distribuir lucros, o que torna este registro uma “fraude contábil”, diz um dos relatórios.
Após análise de todo o dossiê sobre Eduardo Jorge e de 28 pessoas físicas e jurídicas envolvidas com as irregularidades, o Ministério Público impetrou ação civil pública na Justiça Federal de Brasília, que corre sob segredo de Justiça. Segundo a Justiça Federal, a ação é por ato de improbidade administrativa e foi impetrada contra Eduardo Jorge Caldas Pereira, as empresas Metacor e Metaplan. Os procuradores Lauro Pinto e Valquíria Quixadá pedem ressarcimento do Erário e perda dos bens e dos direitos políticos de Eduardo Jorge. O ex-secretário já teve acesso aos autos. “Está nas mãos do juiz para despachar”, disse ele a ISTOÉ. “Vou apresentar documentos.” Nervoso, acrescentou: “Não vou misturar assuntos pessoais com campanha.” No início da tarde da quarta-feira 19, EJ reapareceu no comitê de Alckmin. Já não exibia o sorriso e a alegria demonstrada na inauguração daquela manhã – mas somente um semblante sombrio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário