Flávio Aguiar
Desta vez não há o que reclamar: o ministro do STF estava num restaurante, recebeu ou fez uma ligação em celular, para ou de uma pessoa identificada como Marcelo. No recinto, em outra mesa, estava uma repórter (Vera Magalhães) da Folha de S. Paulo, que ouviu a conversa, e a reproduziu no jornal. Não há o que reclamar, mas há o que observar. Big Sister têm ouvidos em toda a parte.
O ministro era Ricardo Lewandowski, aquele cuja conversa eletrônica com sua colega Carmen Lúcia foi "grampeada" fotograficamente pelo repórter de O Globo, onde teceram comentários sobre a denúncia então examinada, sobre a indicação de novo jurista para o Supremo (que afinal se concretizou, a de Carlos Alberto Direito).
Na conversa telefônica de 29 à noite, publicada quinta-feira, 30 de agosto, o ministro do STF afirma que os juízes do tribunal foram "acuados" pela imprensa (a divulgação da conversa), que votaram "com a faca no pescoço". Na própria quinta-feira o ex-deputado José Dirceu, um dos acusados na denúncia do Procurador Geral da República, disse em entrevista coletiva que as afirmações de Lewandowski punham em suspeição o resultado favorável à denúncia no Supremo. Ao mesmo tempo, dois outros ministros, Carlos Ayres Britto e Gilmar Mendes, negaram ter votado "com a faca no pescoço" (ambas as notícias na Folha on-line de 30/08, e a primeira também no Estadão on-line).
É impossível dizer qual o grau de aperto em que se sentiram os ministros. Mas é possível ler o grau de aperto que a mídia quis dar em seus pescoços. À parte o ministro do Supremo ter de cuidar um pouco mais do que fala ou escreve, e onde fala ou escreve, o episódio dá o que pensar.
O clima na mídia conservadora é o de, antes de tudo, condenar, linchar e enxovalhar os acusados; depois, pede-se ao Procurador que procure e apresente as provas que justifiquem a condenação prévia e o enxovalhamento das reputações dos acusados. E também o seu linchamento.
Tudo o que se puder fazer para se constranger os ministros à esperada condenação (e comemorada de antemão graças à aceitação da denúncia) se fará. Para a esquerda, para o ex-ministro José Dirceu, não haverá quartel: só se houve, nas cargas e clarins das manchetes, o toque de "degolar".
Fica a pergunta no ar: qual é o objetivo imediato disso tudo? Provocar uma onda de repúdio ao governo Lula? Conquistar mais e mais setores da classe média para o anti-lulismo e o anti-petismo? Fomentar a anêmica (de idéias) oposição? Soterrar as esquerdas de uma vez por todas?
É tamanho o baixo nível das operações jornalísticas que é difícil dizer. Talvez seja só dar corpo ao despeito ainda vivido e vívido pela campanha anti-governo de 2005 e 2006 não ter dado certo. Assim mesmo as conseqüências desta sanha são imprevisíveis. Para além da própria direita, a direitona se articula, exumando seus baús de ossos, ou melhor, os ossos de seus baús: recomendo a leitura, na mesma FSP de hoje, do elucidativo artigo (na pág. 3) de D. Bertrand de Orleães e Bragança, onde o santo nome de Plinio Correia de Oliveira é invocado, ao lado da tradicional índole pacífica do povo brasileiro. Como no caso do presidente da Philips, o do "Delenda Piauí", o artigo de D. Bertrand verbaliza o que os outros não têm coragem de dizer. Mas pensam nas trevas.
Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.
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