No entanto, no dia seguinte a Polícia Federal divulgou a seguinte nota à imprensa: "A Polícia Federal em São Paulo, em referência à matéria da Folha (...), comunica à imprensa que não se pronunciou sobre o andamento das investigações referentes à Operação Persona (...)".
A íntegra da nota está disponível no site da Polícia Federal (www.dpf.gov.br). A Operação Persona é a que trata do subfaturamento de importações da multinacional norte-americana Cisco, no Brasil. O subfaturamento (bilionário) em si, não tem recebido grande cobertura jornalística.
Diante do desmentido, o ombudsman do jornal, Mário Magalhães, se pronunciou a respeito logo na segunda-feira, dia 19, mesmo dia da publicação da nota da PF. Ele escreveu o seguinte, na sua coluna diária (publicada apenas na internet):
"Ao contrário do que informou a manchete de domingo, a Polícia Federal não fez afirmação alguma. O que há é 'interpretação de policiais', como se leu na página A4 de quarta-feira (21) ('Cisco utilizou laranjas para doar R$ 500 mil ao PT, diz PF'; 'dizer' a PF não disse)", afirmou Magalhães.
Portanto, a Folha baseia suas denúncias em vazamento de informações da Operação Persona, passadas "off the record". A investigação corre sob segredo de justiça.
No entanto, isso não é noticiado ao leitor. A ele, o jornal afirma que é da Polícia Federal a informação segundo a qual a Cisco doou dinheiro ao PT via laranjas.
Informações captadas "off the record" são válidas, desde que tomadas as devidas precauções e cruzamentos, como reza o bom jornalismo. Assim como o leitor tem o direito de saber se o que está lendo é uma informação oficial ou extra-oficial.
Sucede que, neste último caso, a informação ainda pode não se confirmar, como já ocorreu tantas vezes - e inclusive aconteceu neste próprio caso Cisco, como veremos adiante.
O manual da Folha expressa o mesmo. Sobre a utilização do off, a edição de 1998 (a mais recente) diz o seguinte: O off "pode ser publicado (...) com indicação explícita de que se trata de informação ainda não confirmada".
Em outro trecho, completa: se a "informação em off for cruzada com o outro lado ou com pelo menos duas outras fontes independentes (...) deve aparecer sob a forma 'A Folha apurou que...'". Convenhamos, trata-se de algo bem diferente de publicar: "disse a PF".
Mesmo com os apontamentos de Magalhães, o uso do off neste caso permanecia ocultado pela Folha até ontem, como notou a crítica diária do próprio ombudsman: "Mais uma vez: a PF não diz nada, oficialmente cala sobre as investigações".
O jornal, segundo seu próprio representante dos leitores, faz ainda outra omissão no caso Cisco, igualmente importante:
"Até agora inexiste comprovação ou mesmo indícios documentados de que a contribuição tenha tido como contrapartida o favorecimento em contrato com a CEF - suspeita de policiais federais relatada pela Folha", registrou Magalhães. Portanto, a fonte que a Folha tanto confia, neste caso, falhou.
Pelo que se depreende das matérias do jornal, a CEF teria modificado um edital de concorrência para favorecer a Damovo (empresa ligada à Cisco), o que não teria acontecido de fato. "Como se soube ontem, a alteração diz respeito a um leilão que a Damovo perdeu", acrescentou o Ombudsman. "A Folha deve uma correção", completou.
Assim como no caso do "off the record", Magalhães registrou ontem a insistência da Folha em não fazer retificação: "o jornal segue sem corrigir a informação da segunda-feira que não se confirmou, sobre a mudança no edital".
Sobre retificações, o manual do jornal diz: "A Folha retifica, sem eufemismos, os erros que comete. A retificação deve ser publicada assim que a falha for constatada".
Recursos benignos, o Manual de Redação (que há quase dez anos não é atualizado) e o Ombudsman não estão sendo levados em consideração neste caso, pelo que se vê.
Se a direção do jornal discorda de Mário Magalhães tanto no caso do "off", como no favorecimento à Damovo, porque não envia a ele uma "resposta da redação", como é usual?
Curioso notar que contra o PT pesam outras informações - publicadas pelas mesmas matérias da Folha - muito graves, porém não destacadas pelo jornal, e que até aqui não mereceram apuração detalhada.
De janeiro a setembro deste ano (exercício sem eleições), o partido arrecadou R$ 6,22 milhões. Quantia apenas inferior aos dois últimos períodos de eleições presidenciais...
Uma matéria amplamente apurada, com diversas fontes e todos os lados - quem sabe da própria Folha - seria muito bem-vinda. Que fique claro que o PT deve ser amplamente fiscalizado pela imprensa, na mesma medida que os demais principais partidos. Dentro das regras cívicas que conferem à imprensa função de atender ao interesse público.
Quando o jornalismo infringe os próprios limites são os leitores e a sociedade os mais desrespeitados.
Ricardo Kauffman é jornalista e roteirista.
Portal Terra <http://www.terra.com.br>
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