terça-feira, 6 de novembro de 2007

O factóide do terceiro mandato

De repente, a imprensa se enche com a suposta ameaça de um terceiro mandato de Lula. Uma revista põe na capa uma montagem com o presidente vestido de imperador, com cetro, coroa de louros, trono e manto de arminho. Um jornalão advoga em editorial que uma reeleição é ótimo mas duas é um horror.

[ E aqueles RIDÍCULOS grupos de discussão(?), algazarra(?) que são OS BLOGUES que estampam LINKS de REINALDO AZEVEDO, NOBLAT, CARVALHO, MAINARDI, ETC, ETC e ETC]

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já rejeitou a hipótese em todos os tons, mas o factóide continua em pauta. Quando o partido da mídia elege uma prioridade, não larga o osso e investe unido, como uma matilha - ou talvez uma alcatéia.

Qual o fogo por trás da fumaceira? O bicho papão Hugo Cávez? Não. Os venezuelanos, mesmo os da oposição direitista, têm mais o que discutir, com o país às vésperas de votar a reforma da Constituição para implantar o "socialismo do século 21", mesmo porque o atual mandato de Chávez vai até o longínquo ano de 2013. O projeto de emenda do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), que nem trata no tema, mas da prerrogativa de convocar plebiscitos? Não passa de um álibi de ocasião para o ataque da matilha.

A hipótese de um terceiro mandato em 2010, na verdade, longe de ajudar, atrapalha o real projeto de Lula. Este vibra com os índices de "bom" e "ótimo" que alcança nas pesquisas. Deseja fazer seu sucessor mas espera que este só surja na última hora, para não o ter fungando em seu cangote. E sobretudo acalenta, como até as pedras sabem, sua volta triunfal ao Planalto em 2014, quando terá 69 anos de idade.

O único mérito do factóide arrevesado é permitir um reexame, sempre oportuno, do instituto da reeleição.

Há exatos dez anos, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso enfiou pela goela da nação o seu suposto direito de disputar um segundo mandato, duas tendências se manifestaram nos oposicionistas que não se deixaram comprar. Uma contestava o mérito da mudança. A outra admitia e até acatava o mérito, questionando apenas o método causuístico e golpista.

Lula estava na última ala. Só depois de se eleger e reeleger percebeu os males do sistema reeleitoral, passando a advogar a volta do mandato único, eventualmente com mais de quatro anos.

Os contestadores do mérito recuperavam os argumentos dos fundadores republicanos. Advertiam para os males do caudilhismo e do personalismo. Denunciavam que a reeleição amarrava uma bigorna conservadora ao pescoço da vida política e de sua necessária agenda de mudanças. A última década mostrou que estavam certos.

Os poderes públicos avançados devem valorizar sobretudo a soberania popular, combinar a democracia representativa indispensável com a democracia participativa possível, investir os mandatários da vontade do povo do papel de cumpridores de missões e não de salvadores da pátria. Nesta ótica republicana, toda fulanização da política, ainda que admissível em circunstâncias adversas, é em si uma debilidade. O desejável é a permanente renovação de mandatos e mandatários, que aproxima a política do povo, que a submete ao povo, dono original de todos os poderes. Que o diga Nelson Mandela.

É neste rumo que precisam avançar as instituições da República, assim que uma reforma política merecedora deste nome se imponha por cima dos escolhos conservadores em seu caminho. E é salutar que esta seja também a opinião do presidente da República, cuja ambição de vida várias vezes confessada é um dia poder voltar a São Bernardo do Campo, olhar nos olhos dos operários do chão da fábrica e ser chamado de companheiro.

Quanto à hipotética re-reeleição, evidentemente é tudo que Lula não precisa. Além de contrariar estes valores, tem o perfeito formato de uma casca de banana no caminho do presidente que de bobo não tem nada. Em nome da alegada oportunidade imediata, arriscaria levar ao chão um projeto estratégico e uma biografia. Que o diga FHC.

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