terça-feira, 23 de setembro de 2008

TJ-SP extingue processo contra coronel acusado de tortura

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) julgou nesta terça-feira (23/9) o agravo de instrumento do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que desejava suspender o andamento do processo movido contra ele pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e morto em 1971. Por 2 votos a 1, a 1º Câmara de Direito Privado do TJ paulista deu provimento ao recurso e extinguiu o processo contra o ex-coronel.

O julgamento do recurso de Ustra, ex-comandante do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), estava empatado.

Em seu voto, o desembargador Luiz Antonio de Godoy, entendendo que eram válidos os argumentos de Ustra, acolheu a preliminar de ilegitimidade da parte. Essa questão havia sido levantada pela defesa do ex-coronel, que sustenta que Ângela Maria de Almeida, uma das autoras da ação, não comprovou a união estável que tinha com Merlino e, por isso, não teria legitimidade para propor a demanda.

Já o desembargador De Santi Ribeiro votou pela continuidade da ação declaratória. Para o magistrado, mesmo que não seja comprovada a união estável com Merlino, a ação deve seguir porque Ângela de Almeida, mesmo que indiretamente, também teria sido alvo de tortura.

O desembargador Hamilton Elliot Akel, que havia pedido vista do processo em 12 de agosto, desempatou o julgamento na sessão desta terça. O magistrado conheceu o recurso e deu provimento para reconhecer a carência de agir da autora, pois a ação declatória não seria o meio processual para discutir o pedido feito (reconhecimento da existência da tortura de Merlino). Com isso, ele julgou a ação extinta, sem julgamento de mérito.

Na sessão, todos os desembargadores ressaltaram que não estavam emitindo juízo de valor sobre os atos cometidos por Ustra. Antes de iniciar o julgamento, o desembargador Luiz Antonio de Godoy fez questão de esclarecer que a competência da câmara é cível e não penal e, assim, seria julgado apenas a matéria processual.

Assim, por maioria, os desembargadores entenderam que mesmo admitindo a união estável da autora com o torturado o tipo de ação, civil declaratória, não seria o meio processual adequado.

Desistir jamais
Após o fim do julgamento, Fábio Konder Comparato, que defende a autora da ação, afirmou que vai recorrer diretamente ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), por meio de recurso especial. “Vamos até o fim. Desistir jamais”, afirmou.

O advogado afirmou que irá questionar o conhecimento do agravo, que, segundo ele, não poderia ter sido conhecido porque deixou de obedecer requisitos legais. Comparato admitiu a possibilidade de que um documento juntado pela defesa de Ustra seja falso.

De acordo com Comparato, não há razão para a extinção do processo, já que a ação declaratória seria um caminho adequado para alcançar o pedido formulado pela família de Merlino, existindo precedente no Judiciário para tanto.

O jurista, consagrado defensor dos direitos humanos, disse considerar fundamental uma ação como a ajuizada contra o ex-coronel. “Ao contrário das atrocidades cometidas contra os índios, ocorridas séculos atrás, as barbaridades do regime militar aconteceram ontem. É preciso educar o povo sobre tudo o que aconteceu durante a ditadura", ressaltou.

Na oportunidade, Comparato criticou a Lei de Anistia, a qual chamou de imperfeita. “Ela foi redigida para encobrir sua real finalidade, que foi a de colocar verdadeiros criminosos a salvo. Durante a ditadura, vários crimes foram cometidos, como seqüestro, estupro e tortura, sempre a pretexto de defender a segurança do Estado. Quando estes mesmo crimes são protagonizados por civis, passam a ser chamados de hediondos,” enfatizou.

Manifestação
Durante o julgamento, uma manifestação contra a ditadura ocupou a praça em frente ao Palácio da Justiça, sede do TJ-SP. Em apoio à família de Merlino, o ato ressaltava a importância de não serem esquecidos os crimes cometidos pelo Estado de exceção.

Junto com fotos de 48 mortos e desaparecidos durante o regime militar, três faixas foram estendidas no chão: “nossos mortos estão vivos em nossa luta”, “pela abertura dos arquivos da ditadura” e “DOI-Codi nunca mais”.

Tortura
O jornalista de 23 anos, militante do Partido Operário Comunista em 1971, foi torturado e morto nas dependências do DOI-Codi, então comandado por Ustra.

A estratégia adotada pela família de Merlino não foi convencional. A opção foi de ajuizar uma ação civil declaratória para responsabilizar o militar pela morte, sem, no entanto, condená-lo a multa ou prisão.

Este é o segundo processo movido contra Ustra. No ano passado, cinco pessoas de uma mesma família —Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles, Janaína de Almeida Teles, Edson Luiz de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida— foram à Justiça acusando o militar de torturar todos os integrantes da família. O processo está em tramitação.

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