Por Bernardo Joffily
Os donos da mídia dominante apóiam-se no resultado da capital paulista com a eleição de Gilberto Kassab, de fato um impressionante triunfo da aliança direitista PSDB-DEM - e, a rigor, o seu único grande trunfo. Veja porém o mapa ao lado, com os 30 resultados do segundo turno, e a tabela abaixo, com os partidos que governarão as 77 cidades de mais de 200 mil eleitores. E tire as suas próprias conclusões.
Quem se lembra de 2004?
O fato é que, no cômputo geral, a oposição sai enfraquecida das eleições municipais. No segundo turno, das 30 cidades que tiveram votação, 26 elegeram partidos da base aliada (PMDB, PT, PP, PR, PTB, PSC, PTC, PTdoB, PSB, PDT, PCdoB, PMN e PAN). Nas 26 capitais brasileiras, a base aliada sai das eleições de 2008 com 20 prefeitos e a oposição com apenas seis - contando-se como oposicionista a prefeita Micarela, eleita no primeiro turno em Natal, que se apresentou pela legenda do PV mas teve no DEM o seu apoio principal.
O mesmo filme de 2004
Quem não tenha memória de passarinho há de lembrar que, quatro anos atrás, este mesmíssimo filme foi exibido pelos mesmos meios de comunicação: Serra ganhara em São Paulo em 2004, donde - garantia a mídia - a oposição entrava fortalecida na sucessão presidencial.
Mas a vida mostrou que haveria mais coisa entre o céu e a terra do que sonhava esse raciocínio simplório. Primeiro: a indicação de José Serra como presidenciável da oposição em 2006 tropeçou no surgimento de um segundo postulante tucano, o então governador Geraldo Alckmin, que terminou se impondo. E segundo: apesar de toda a catimba midiática, que vinha do "mensalão" de 2005 e atingiu o paroxismo durante a campanha, Luiz Inácio Lula da Silva reelegeu-se, com mais de 60% dos votos; e tornou-se o presidente da República mais bem avaliado desde que se começou a fazer pesquisas de opinião pública no país.
O fator Aécio
Ora, em 2010, como é público e notório, também há outro tucano no páreo: o governador mineiro Aécio Neves, que - com mais trabalho do que supunha - também conseguiu colocar na Prefeitura de Belo Horizonte o seu "laranja", Márcio Lacerda (PSB). A mídia dominante, centrada no eixo Rio-São Paulo, não faz segredo sobre qual o seu tucano preferido. Mas 2006 mostrou que ela tanto acerta como erra.
Aécio tem um discurso na ponta da língua para disputar com Serra: chega de paulistas disputando a Presidência pelo PSDB; depois de Mário Covas (1989), Fernando Henrique (1994 e 1998), Serra (2002) e Alckmin (2006), é hora de mudar o disco.
"Essa vitória é a vitória de um projeto, mais que de um candidato. É um projeto de Minas", insistiu o governador, ao comentar o segundo turno. "O Brasil começará a olhar com mais atenção, não apenas Minas Gerais, mas a possibilidade de conseguirmos fazer isso para o futuro. Essa não é apenas a eleição do candidato do governador e do prefeito. Sinaliza para algo novo no Brasil", completou. Mais explícito impossível.
A particularidade de 2008
O outro elemento que a mídia escamoteia ao entrar em campanha pró-Serra é a particularidade da eleição municipal que vem de se encerrar: com a economia brasileira crescendo e o presidente bem avaliado como nunca na história deste país, os ocupantes das prefeituras contaram com um enorme trunfo nesta eleição; nas capitais, dos 20 que tentaram a reeleição 19 conseguiram - Kassab foi um deles.
Em 2010, ninguém garante que esse ambiente vai se repetir. Caso se repita beneficiará o (ou a, ou os) candidato (a, os) de Lula.
O cenário pode também ser bem distinto, a depender especialmente dos ventos da crise que sopram dos Estados Unidos. Mas não está escrito que o tufão vindo de Wall Street derrubará Lula e o seu campo político. Até agora, bem ao contrário, tem espatifado os dogmas neoliberais pelo mundo afora. É possível inclusive que, ao chegar ao Brasil, sopre no sentido de obrigar, por bem ou por mal, opções macroeconômicas que delimitem campos com a oposição conservadora, e com a ortodoxia ainda predominante em áreas do governo, como a equipe do Banco Central. Nessa hipótese, a eleição presidencial tenderia a ser bem mais politizada e explícita em suas opções de conteúdo.
Serra o megalômano
Visto isso, é claro que o nome de Serra se fortaleceu com a vitória de Kassab sobre Marta Suplicy (PT), por quase 1,7 milhão de votos. - uma proporção de três para dois. E fortaleceu-se inclusive porque mostrou até onde o governador paulista é capaz de ir quando traça um objetivo. Em 2002, foi Roseana Sarney que se colocou em seu caminho e terminou atropelada. Em 2008 foi Alckmin, impiedosamente traído pelos serristas do seu próprio partido.
José Serra é um político que não aceita a pecha de arrogante mas assume explicitamente a de megalômano. Sua megalomania de 2008 foi tratorar Alckmin e eleger Kassab. Deu certo. A de 2010 é eleger-se presidente. Aécio a esta altura deve estar se cercando de precauções para não ser também esborrachado. Mas o desempenho de Serra como candidato a postos executivos é apenas sofrível. Ganhou em duas ocasiões: para prefeito (2004) e governador (2006); e perdeu em três, para prefeito (1988 e 1996) e presidente (2002). A mídia faz a festa com um favoritismo que está longe de ser um fato consumado.
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