Filipe Coutinho
Desde o afastamento do delegado Paulo Lacerda da direção-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 1º de setembro, o oficial de inteligência Nery Kluwe não perde uma oportunidade para dizer sempre a mesma coisa: Lacerda não pode voltar. Em entrevistas a jornalistas, em conversas com superiores e na Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas Clandestinas, a CPI dos Grampos, ele mantém o discurso monocórdio: Lacerda não pode voltar. A posição de Kluwe, presidente da Associação de Servidores da Abin (Asbin), é semelhante à da defesa do banqueiro Daniel Dantas, baseada na “contaminação” das provas pela participação de espiões da agência na Operação Satiagraha. Mas os motivos são outros. Isso porque a volta de Lacerda poderá encerrar a carreira de Kluwe.
Ao assumir o comando da Abin, em setembro de 2007, Lacerda fez um movimento de aproximação com Kluwe ao definir uma política de aumento salarial, festejada dentro da categoria. Mas acabou por arrumar, em seguida, um inimigo poderoso dentro da instituição ao criar a Corregedoria-Geral da agência, nos moldes da existente na Polícia Federal.
Na Abin, Lacerda notou que não havia nenhum mecanismo formal de investigação interna. No máximo, instauravam-se comitês de sindicância, sem autonomia nem método, que nada investigavam. Muitos dos processos, simplesmente, desapareciam sem jamais ser concluídos. Para o cargo de corregedora-geral foi designada a delegada Maria do Socorro Tinoco, ex-chefe de gabinete de Lacerda na PF, policial com fama de ser linha-dura. Lá, ela trabalha com outros dois delegados federais.
No ano passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) encaminhou à Corregedoria-Geral da Abin uma denúncia contra Kluwe. O presidente da Asbin foi acusado de advocacia administrativa, por usar informações secretas da agência para atuar em causas particulares (ele é advogado). É crime passível de demissão a bem do serviço público, o que certamente vai acontecer com Kluwe, dadas as informações disponibilizadas à delegada Maria do Socorro.
Ao contrário da PF, no entanto, o cargo de corregedor da Abin não tem mandato, ou seja, o titular pode ser demitido a qualquer momento. Por isso Kluwe corre contra o tempo e insiste no afastamento imediato de Lacerda e, ato contínuo, na nomeação de um servidor da Abin para o cargo. Dessa forma, ele pode apressar a demissão da delegada Maria do Socorro, a extinção da Corregedoria (que estaria “contaminada” pela presença de policiais federais) e o arquivamento do processo – ou, como nos velhos tempos, contar com o sumiço da papelada. A Corregedoria descobriu, ainda, que ele faltava ao trabalho sob alegação de cumprir agenda de atividades da associação de servidores, mas, na verdade, usava os horários para comparecer a audiências de clientes particulares.
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