quarta-feira, 29 de abril de 2009

Ficha de Dilma, publicada pela FOLHA, não é autêntica



Folha tratou como autêntico documento, recebido por e-mail, com lista de ações armadas atribuídas à ministra da Casa Civil

Reportagem reconstituiu participação de Dilma em atos do grupo terrorista VAR-Palmares, que lutou contra a ditadura militar

A Folha cometeu dois erros na edição do dia 5 de abril, ao publicar a reprodução de uma ficha criminal relatando a participação da hoje ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no planejamento ou na execução de ações armadas contra a ditadura militar (1964-85).

O primeiro erro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o "arquivo [do] Dops". Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada.

A ficha datilografada em papel em tom amarelo foi publicada na íntegra na página A10 e em parte na Primeira Página, acompanhada de texto intitulado "Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Netto".

Em carta enviada ao ombudsman da Folha, Dilma escreve: "Apesar da minha negativa durante a entrevista telefônica de 30 de março (...) a matéria publicada tinha como título de capa "Grupo de Dilma planejou sequestro do Delfim". O título, que não levou em consideração a minha veemente negativa, tem características de "factóide", uma vez que o fato, que teria se dado há 40 anos, simplesmente não ocorreu.Tal procedimento não parece ser o padrão da Folha."

A reportagem da Folha se baseou em entrevista gravada de Antonio Roberto Espinosa, ex-dirigente da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e da VAR-Palmares, que assumiu ter coordenado o plano do sequestro do ex-ministro e dito que a direção da organização tinha conhecimento dele.

Três dias depois da publicação da reportagem, Dilma telefonou à Folha pedindo detalhes da ficha. Dizia desconfiar de que os arquivos oficiais da ditadura poderiam estar sendo manipulados ou falsificados.

O jornal imediatamente destacou repórteres para esclarecer o caso. A reportagem voltou ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda os documentos do Dops. No dia 17, a ministra afirmou à rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, que a ficha é uma "manipulação recente".

Na carta que enviou ao ombudsman, Dilma escreveu:

- Solicitei formalmente os documentos sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo que dizem respeito a minha pessoa e, em especial, cópia da referida ficha. Na pesquisa, não foi encontrada qualquer ficha com o rol de ações como a publicada na edição de 5.abr.2009. Cabe destacar que os assaltos e ações armadas que constam da ficha veiculada pela Folha de S. Paulo foram de responsabilidade de organizações revolucionárias nas quais não militei. Além disso, elas ocorreram em São Paulo em datas em que eu morava em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro. Ressalte-se que todas essas ações foram objeto de processos judiciais nos quais não fui indiciada e, portanto, não sofri qualquer condenação. Repito, sequer fui interrogada, sob tortura ou não, sobre aqueles fatos.


- O mais grave é que o jornal Folha de S.Paulo estampou na página A10, acompanhando o texto da reportagem, uma ficha policial falsa sobre mim. Essa falsificação circula pelo menos desde 30 de novembro do ano passado na internet, postada no site www.ternuma.com.br - criado por Carlos Alberto Brilhante Ustra (também conhecido por Ulstra) - NO POST ACIMA, HÁ BIOGRAFIA DO CORONEL -é um coronel reformado do Exército Brasileiro("terrorismo nunca mais"), atribuindo-me diversas ações que não cometi e pelas quais nunca respondi, nem nos constantes interrogatórios, nem nas sessões de tortura a que fui submetida quando fui presa pela ditadura. Registre-se também que nunca fui denunciada ou processada pelos atos mencionados na ficha falsa.

Dilma integrou organizações de oposição aos governos militares, entre as quais a VAR-Palmares, um dos principais grupos da luta armada. A ministra não participou, no entanto, das ações descritas na ficha. "Nunca fiz uma ação armada", disse na entrevista à Folha de 5 de abril. Devido à militância, foi presa e torturada.

Na apuração da reportagem do dia 5, o jornal obteve centenas de documentos com fontes diversas: Superior Tribunal Militar, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público Mineiro, ex-militantes da luta armada e ex-funcionários de órgãos de segurança que combateram a guerrilha.

Ao classificar a origem de cada documento, o jornal incluiu a reprodução digital da ficha em papel amarelo em uma pasta de nome "Arquivo de SP", quando era originária de e-mail enviado à repórter por uma fonte.

No arquivo paulista está o acervo do antigo Dops, sigla que teve vários significados, dos quais o mais marcante foi Departamento de Ordem Política e Social. Na ditadura, era a polícia política estadual.

Entre as imagens reproduzidas pelo arquivo, a pedido da Folha, não estava a ficha. "Essa ficha não existe no acervo", diz o coordenador do arquivo, Carlos de Almeida Prado Bacellar. "Nem essa ficha nem nenhuma outra ficha de outra pessoa com esse modelo. Esse modelo de ficha a gente não conhece."

Pelo menos desde novembro a ficha está na internet, destacadamente em sites que se opõem à provável candidatura presidencial de Dilma.

GRUPO DE MILITARES MINEIROS

O Grupo Inconfidência, de Minas Gerais, mantém no ar uma reprodução da ficha. A entidade reúne militares e civis que defendem o regime instaurado em 1964. Seu criador, o tenente-coronel reformado do Exército Carlos Claudio Miguez, afirma que a ficha "está circulando na internet há mais de ano". Sobre a autenticidade, comentou: "Não posso garantir. Não fomos nós que a botamos na internet".


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