O crack misturado à maconha
Do Jornal do Brasil
Traficantes adicionam crack à maconha para viciar mais gente
Caio de Menezes, Jornal do Brasil
RIO - Preocupados com a imagem negativa do crack, difundida pelo estado deplorável a que chegam seus consumidores, muitos traficantes adotaram uma nova estratégia para atrair novos usuários. Em algumas favelas fluminenses, onde a venda da droga já responde a mais de 30% do faturamento, fragmentos das pedras de crack são misturados às porções de maconha sem que o consumidor saiba que está adquirindo o composto conhecido como zirrê (também chamado de desireé, craconha ou criptonita).
– Quando conversamos com os "cracudos", durante uma operação, ouvimos da maioria que o vício em crack chegou através do zirrê. Quem vê o viciado em crack, dificilmente procura a droga. Por isso, o tráfico adotou essa estratégia, que teve início em favelas da Baixada, mas já chegou à capital – afirma um agente da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), que cita as favelas do Lixão, Mangueirinha, e Vila Ideal, em Caxias, e Manguinhos e Jacarezinho, em Bonsucesso (Zona Norte) como as que já vendem o perigoso composto.
– Ele usa basicamente álcool, maconha e cocaína, cujo vício progride mais lentamente, quando comparado ao do crack. Esse é o perigo do zirrê. Se usado com frequência, pode viciar em uma semana – alerta.
O também psiquiatra Jairo Werner, do Núcleo de Estudo de Alcoolismo e Outras Dependências, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que o zirrê foi "o responsável por difundir o crack no Rio de Janeiro".
– O sujeito fumava maconha, estava acostumado àquele barato e de saco cheio. Alguém deu a idéia de adicionar o crack ao baseado, o que turbinaria o efeito. Dessa forma o crack foi inserido no Rio – analisa.
O conselheiro em dependência química, Cláudio Barata Ribeiro, que auxilia dependentes a abandonarem as drogas, concorda que o zirrê é uma das principais portas de entrada para o crack.
– O que mais assusta é que pessoas cada vez mais novas usam o zirrê. Pensam estar usando apenas maconha e, com pouco tempo, estão viciadas em crack, que tem uma taxa mínima de recuperação – frisa.
"Em cinco dias, gastei todo meu salário"
Ainda em Mato Grosso, onde nasci, fui apresentado às drogas, com 16 anos, quando fiz uso de tabaco misturado à pasta base de cocaína, facilmente encontrada devido à proximidade com a Bolívia.
Depois que me mudei para o Rio de Janeiro, há pouco mais de três anos, busquei um similar à pasta base para manter meu vício. Foi quando fui apresentado ao zirrê, droga usada pela maioria dos traficantes, em uma comunidade próxima à minha casa, na Tijuca.
A dependência do crack assumiu o lugar da pasta base e, menos de um mês depois de experimentar a droga, gastei, em cinco dias sem sair da Favela Parque Arará (em Benfica, Zona Norte), todo o meu salário.
Há cerca de um ano, quando conheci minha atual mulher, tentei, pela primeira vez, parar. Consegui ficar sem usar por um mês, até a primeira recaída. Hoje já são quase 30. O crack é uma droga complicada. Saber que estão misturando à maconha e vendendo é triste.
*I.P.C., 32 anos, dois filhos. Não têm celular para não trocar por crack. Seu salário é controlado pela esposa e sua a última recaída aconteceu na quarta-feira passada.
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